São Paulo, domingo, 11 de junho de 1995
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Espinha quebrada

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Afinal, Fernando Henrique Cardoso quebrou ou não a espinha da esquerda? - se é que a esquerda ainda tinha alguma espinha a ser quebrada. A pergunta tem sido respondida afirmativamente por boa parte dos analistas que acompanharam a greve dos petroleiros e seu desfecho catastrófico.
Não deixa de fazer sentido, ao menos simbolicamente: ainda que o destino da esquerda não tenha sido jogado exatamente neste episódio, ele realçou, como poucas vezes se viu, os enganos suicidas que o PT e sua correia de transmissão sindical vêm repetindo nos últimos anos.
A emergência, nos anos 70, no cenário político brasileiro de um operariado moderno, cujas reivindicações sindicais politizavam-se instantaneamente no confronto com o regime militar, e o apoio popular aos movimentos pela redemocratização levaram à convicção entre a esquerda pós-PC de que o PT seria o ponto de partida para uma ruptura com o capitalismo no país.
Mas a lente de aumento aplicada sobre os embates internos gerou simultaneamente uma miopia para o quadro externo. Em 1979, quando as greves estouravam no ABC, longe daqui, no centro do capitalismo, Margaret Thatcher dobrava os trabalhistas e assumia o poder no Reino Unido. Um ano depois, Reagan chegava à presidência dos Estados Unidos.
O que parecia aos apologistas do "colapso final" da economia de mercado um movimento desesperado do capitalismo, revelou-se, na realidade, a passagem, sob o signo do ultraliberalismo selvagem, para um novo período - que culminou, no fim dos 80, com um punhal cravado no coração do socialismo.
Em 1989, quando o PT fazia sua primeira investida rumo ao poder, o muro de Berlim caía e o esfacelamento do bloco socialista era um fato consumado.
Cegos ao que não queriam ver, os representantes do partido preferiram tratar o colapso da União Soviética e de seus satélites como mera falência de um comunismo "desvirtuado", que não diria respeito ao "verdadeiro socialismo", do qual os petistas, não se sabe bem como, seriam os praticantes.
Não pareciam se dar conta de que a ausência da URSS do cenário internacional representava uma sentença de morte para as pretensões das esquerdas, fossem elas pró ou contra a ortodoxia soviética.
Era o funeral dos projetos de revolução, tal como ocorreram ao longo do século.
A começar pelos países de Terceiro Mundo, cujas desigualdades pós-coloniais favoreciam a organização de movimentos nacionais municiados por Moscou que, uma vez no poder, caiam nos braços da "pátria-mãe"- única alternativa de sobrevivência.
Mas não apenas: o próprio comunismo "civilizado", de inclinação eleitoral, que teve seus dias de glória na Europa, especialmente na Itália, evaporou. Em 90, ano em que Collor assumiu no Brasil, o PCI mudou de nome e abandonou seus últimos resquícios marxistas-leninistas.
Estava já, portanto, há anos, de espinha triturada a esquerda internacional.
Ao funeral do socialismo seguiu-se o deslanche deste capitalismo globalizado e tecnológico, que mesmo tendendo a gerar novas exclusões, expande-se triunfalmente pela Ásia, mostra uma coesão inédita na Europa e avança na América Latina e revitaliza-se nos EUA - o gendarme do planeta.
A este novo clube, o aloprado Collor foi o primeiro a apresentar a candidatura do Brasil. E é a ele que, agora, o calculista FHC apresenta credenciais.
Bem, o PT não pensaria exatamente numa revolução socialista. Será? Em que pensaria, então? Em montar um ``governo popular" em quatro anos e perpetuar-se no poder? Não faria parte de sua estratégia virar o fio para um Estado socialista? Como isso seria possível?
Nem mesmo o partido sabe responder. Possivelmente divide-se entre essas e outras alternativas. Mas a instalação, no Brasil, de um Estado Socialista, no atual ciclo histórico, é tão visível no horizonte quanto a redivisão da Alemanha.
Vai o PT, com tudo isso, transformando-se numa patética excrescência político-ideológica. Suas táticas são construídas para metas estruturais que se esfumaçaram.
Sem entender o que se passa no mundo - é "neoliberalismo" e pronto - o petismo vê-se na melancólica situação de erguer bandeiras passadistas, como a defesa de monopólios estatais, que, antes de projetá-lo para o futuro, o aprisionam no velho círculo ideológico do nacionalismo e do populismo encarquilhado.
Ou o partido tenta superar sua escandalosa fadiga teórica e ideológica, para tentar recolocar suas políticas na nova conjuntura - ou... bye bye, baby.

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