São Paulo, domingo, 11 de junho de 1995
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Feminista homossexual critica `lesbian chic'

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Um livro provocante promete ser uma das sensações da 17ª Conferência Mundial de Gays e Lésbicas, que ocorre entre 18 e 25 de junho no Rio.
Trata-se de ``Pecados Safados", um romance parcialmente autobiográfico, escrito por uma conhecida jornalista de Curitiba, no qual ela narra desde o seu primeiro beijo -numa colega de turma- até o dia-a-dia e as noites das lésbicas da cidade (leia trechos ao lado).
Autora de outros cinco livros, dois deles infantis, a escritora decidiu assinar ``Pecados Safados" com o pseudônimo de Betti Brown -uma homenagem à escritora Rita Mae Brown, ex-namorada da tenista Martina Navratilova.
``Estou desempregada há um ano. Se assinar o livro com meu nome, ninguém vai dar emprego para uma lésbica assumida", diz.
Filha de um militar, aluna de três colégios de freiras (foi expulsa dos três), Betti Brown morou 15 anos na Europa, entre Inglaterra, Holanda e França, onde desenvolveu suas principais convicções de feminista lésbica.
``Lá você pode ser quem você quiser. No Terceiro Mundo, o preconceito contra lésbicas é maior do que contra gays. Porque aqui o pênis é um símbolo de poder", discursa ela.
Em consequência desse preconceito, as lésbicas têm muito mais medo de assumir publicamente sua orientação sexual. ``Os gays estão conquistando o mundo enquanto as lésbicas ficam escondidas dentro do armário."
Prossegue Betti Brown: ``No Brasil, não há lésbicas de sucesso que se assumem. Então, a imagem que a gente tem do sapatão é aquela gorda de bigode, horrorosa. As bonitinhas, as lindas, perfumadas, não aparecem."
O discurso da feminista se choca com a imagem de glamour associada às lésbicas, conforme se vê em revistas estrangeiras, a chamada moda da ``lesbian chic".
``Tudo que é de lésbica no Brasil é pobre. O bar é feio, as pessoas são feias, a Coca-Cola é ruim. É uma questão econômica."
``As lésbicas adoram um armário para ficar dentro. É uma das nossas maiores dificuldades", confirma Marisa Fernandes, uma das coordenadoras do Coletivo de Feministas Lésbicas e redatora da revista ``Femme", destinada ao publico homossexual feminino.
Casada várias vezes, uma delas por 12 anos, Betti Brown diz estar solteira no momento.
Ela afirma que, no Brasil, diferentemente dos gays, as lésbicas evitam o sexo de uma noite só. ``Você transa com uma mulher, no dia seguinte você está casada. Virou um caso. O homem, não. Transa e tchau", diz.
A propósito, Betti conta a seguinte piada: ``Sabe o que acontece quando um gay encontra pela segunda vez com um gay que ele transou? Eles não se encontram. Sabe o que acontece quando uma lésbica encontra pela segunda vez uma lésbica que ela transou? Elas se casam."
Militante radical, Betti Brown vê curiosas vantagens na condição homossexual: ``As mulheres heterossexuais lutam até hoje para os homens lavarem a louça dentro de casa. Quando duas mulheres moram juntas, ou as duas lavam a louça, ou nenhuma lava", diz.
Bem humorada, Betti acrescenta: ``Um homem e uma mulher morando juntos, o homem sempre manda, por mais Margareth Thatcher que ela seja."
A palavra da moda hoje entre as lésbicas é visibilidade. Esse é o tema de uma exposição que o Coletivo de Feministas Lésbicas vai levar para a conferência do Rio na semana que vem e é o assunto principal de Betti Brown.
``Ser lésbica hoje é como ter vivido na clandestinidade durante a ditadura", diz a escritora.

Livro: ``Pecados Safados"
Autora: Betti Brown
Preço: R$ 10,00 (160 págs.)

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