São Paulo, domingo, 11 de junho de 1995
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Ruptura do monopólio do petróleo

MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES*

O fim do monopólio resultará em perda de capacitação tecnológica e financeira da Petrobrás
Flexibilizar foi a palavra-chave encontrada pelos ``privatistas" para disfarçar o que realmente deve acontecer com a Petrobrás e o setor de petróleo, depois da mudança do artigo 177 da Constituição brasileira: seu esfacelamento e privatização, destruindo a estrutura industrial mais bem-sucedida erguida pela sociedade brasileira.
O argumento da competitividade, usado para romper o monopólio do petróleo, não tem fundamento. A indústria internacional de petróleo não atua de forma competitiva, mas sim de forma cartelizada, controlada por gigantescos oligopólios privados e grandes monopólios estatais. O mercado mundial de petróleo está estagnado e a tendência é reduzir o número de atores importantes, reforçando a concentração da indústria.
O Brasil é um dos raros mercados de porte significativo em rápida expansão e possuímos uma relação estoque/consumo relativamente confortável. Temos uns 20 anos de reservas e, com a descoberta dos campos gigantes, com custos de produção de US$ 6 a US$ 7 por barril, estes influenciam muito positivamente a média de custo da produção nacional.
A indústria petrolífera exige grande volume de capital e, portanto, não é para pequenos nem médios investidores. Estes só podem entrar em parceria com as grandes empresas. Para que a Petrobrás atraia capitais nacionais e estrangeiros não se deveria romper o monopólio. Pelo contrário, só o controle majoritário e estratégico da Petrobrás é capaz de atrair recursos para manter a exploração do petróleo no Brasil operando de acordo com os padrões internacionais de eficiência e de organização industrial.
As empresas petrolíferas são monopolistas e verticalmente integradas, controlando fluxos de produção e reservas. Quem controla os fluxos mas não controla os estoques não fica, necessariamente, com os benefícios da indústria de petróleo. Quem controla apenas os estoques, tampouco.
Adicionalmente, as empresas têm que estar constantemente buscando novas fontes de petróleo, porque cada barril é matéria-prima a que a empresa precisa ter acesso no futuro. Ela precisa estar sempre repondo suas reservas, até porque isso valoriza os ativos imobilizados. A Petrobrás hoje é uma empresa integrada e verticalizada capaz de controlar os fluxos e estoques, assim como o são as grandes empresas petroleiras internacionais.
Em termos de capacitação tecnológica, logística e financeira, temos uma estrutura que poucos países em desenvolvimento têm. Mais do que isso: a Petrobrás é uma das poucas empresas nacionais que tem capacidade de fazer alianças estratégicas globais, dentro e fora do país, desde que preserve o seu poder monopolista no mercado nacional. Sem esse poder, a empresa tende a perder capacidade de sustentação e expansão.
Com a ruptura do monopólio da Petrobrás, que cenários podem ocorrer?
Primeiro cenário - Não aumentará a ``concorrência", isto é, a desejada entrada de capitais estrangeiros, a menos que o governo federal maniete, asfixie e fragmente a Petrobrás.
Se ela permanecer proprietária das refinarias que tem hoje, nenhuma outra empresa construirá novas refinarias a curto prazo sem o subsídio do Estado ou da própria Petrobrás, já que a capacidade de refino existente é suficiente para a dimensão atual do mercado nacional.
A rede de dutos e terminais de propriedade da empresa é outra significativa barreira à entrada de concorrentes. Mais importante, a Petrobrás está atuando nos campos maiores e com menores custos de produção. Caso ela permaneça nesses campos, sobrarão para as multinacionais apenas os campos com perspectivas menos favoráveis, que não lhes interessarão face às alternativas de que dispõem.
Em outros termos, se a Petrobrás fosse deixada livre para atuar como empresa, no seu atual nível de integração vertical, não haveria entrada de novos competidores.
Isso implica que as multinacionais petrolíferas farão uma enorme pressão sobre o governo para a privatização de segmentos importantes controlados pela Petrobrás, alegando que estarão sofrendo uma concorrência desleal. Será então preciso ``fatiar" essa grande empresa para romper essa estrutura, para criar espaços para a ``concorrência".
Por isso a PEC do Petróleo liberaliza em todas as frentes (da produção, refino, comércio e transporte), para tentar desmontar barreiras técnicas e econômicas à entrada e desestruturar o complexo petrolífero nacional.
Segundo cenário - Caso o governo ceda até ao fim aos argumentos das multinacionais petroleiras para facilitar a entrada de concorrentes internacionais na exploração livre de petróleo, a reação das empresas entrantes será concentrar os seus esforços nas bacias já conhecidas e intensificar a exportação para minimizar os seus custos, diminuindo os elevados riscos geológicos de busca de novas reservas.
Essa atitude será ``racional", mas causará uma concentração do esforço de exploração nas bacias de alta produtividade já encontradas pela Petrobrás. Todas as bacias de custo de produção elevado serão abandonadas e haverá uma perda da capacidade brasileira de produção e de descoberta de novas bacias em áreas de alto risco geológico.
O esforço de produção em bacias com lâminas d'água elevadas é um problema brasileiro. Os campos gigantes brasileiros estão nessa faixa. A Petrobrás tem podido arriscar porque ela é um monopólio: se ela perde em uma região, ganha em outra.
Mais ainda, ela pode aceitar taxas de retorno sensivelmente inferiores às das multinacionais petroleiras, que são superiores a 20% ao ano, precisamente porque é monopólio e não tem risco de mercado. Com o fim do monopólio, haverá perda de capacitação tecnológica e financeira da Petrobrás, que não somente não poderá avançar, como corre o sério risco de ser completamente desverticalizada e enfraquecida patrimonialmente.
Em conclusão - O resultado final da modificação do artigo 177 a pretexto de introduzir a concorrência na indústria petrolífera nacional será, pois, a desestruturação de uma das raras empresas brasileiras de nível mundial, com a perda de sua capacitação industrial e tecnológica, sem qualquer ganho visível para a nação e com sérios riscos de desvalorização e perdas consideráveis de patrimônio público, no caso de privatizações feitas (como é natural) pelo valor de mercado.

(*) Agradeço a colaboração de ADILSON DE OLIVEIRA e JOÃO LIZARDO DE ARAÚJO, professores titulares do Grupo de Energia do Instituto de Economia Industrial da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES, 63, economista, é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professora associada da Universidade de Campinas (Unicamp) e deputada federal (PT-RJ).

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