São Paulo, domingo, 11 de junho de 1995
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A dinâmica do mundo vista num terremoto no Chile

Leia abaixo trechos da obra de Adrian Desmond e James Moore

DA REDAÇÃO

O trecho a seguir conta como Darwin começou a compreender a dinâmica das forças da natureza -das quais o homem não escapa- quando presenciou os efeitos de um forte tremor de terra, no Chile, em 1835.

Em 20 de fevereiro ele descansava deitado no chão da floresta, às dez da manhã, quando a terra se mexeu, enviando sua mente para um redemoinho em câmara lenta. Ele já sentira um tremor antes, enquanto convalescia na casa de Corfield, mas nada parecido com aquilo. Começou de maneira súbita, tornou-se violento e pareceu durar para sempre.
Ele tentou ficar de pé mas caiu de joelhos, atordoado e confuso. Em uma fração de segundo, a única segurança permanente da vida -a terra firme- desapareceu. "O mundo, o próprio emblema de tudo que é sólido", engasgou ele, estremeceu sob seus pés "como uma crosta sobre um fluido".
O terremoto durou apenas dois minutos mas abrangeu uma eternidade; todas as amarras estavam perdidas, deixando-o filosoficamente tonto durante semanas. Correu para a cidade e foi saudado pela visão de casas de madeira retorcidas e o "horror retratado no rosto de todos os habitantes". Ter "visto, assim como sentido um terremoto" foi uma experiência espantosa e ele se atemorizou a pensar na destruição ocorrida na grande cidade de Concepción, 200 milhas ao norte.
O Beagle fez-se ao mar e navegou costa acima. Os baixios eram traiçoeiros e o navio perdeu duas âncoras, a sexta e sétima da viagem toda, antes de ganhar o Porto de Concepción. A devastação era aterradora. "O litoral inteiro estava salpicado de restos de madeira e móveis, como se mil grandes navios tivessem sido afundados."
Imensas placas rochosas haviam sido arremessadas até a praia e a própria cidade parecia uma ruína antiga. Casas e escolas eram agora pilhas de entulho e a grande catedral jazia semi-arrasada, com suas paredes de quatro pés de espessura cambaleando em alicerces abalados. Ele ouviu dizer que o tremor foi o "pior da história" do Chile.
Veio sem aviso e atacou com ferocidade. Onda após onda de choque atingiu a cidade, "ribombando... como trovões distantes" e escurecendo o céu como uma densa nuvem de poeira. Incêndios irromperam por toda parte. As pessoas correram aos gritos de dentro de suas casas.
Então um imenso vagalhão de 20 pés varreu a terra, carregando uma escuna para dentro da cidade. Dezenas foram afogados ou esmagados e, mesmo agora, duas semanas depois, um número incontável de pessoas jazia sepultado sob o entulho. Saqueadores rondavam as ruas, misturando "religião... às suas depredações... A cada pequeno estremecer do solo, com uma mão eles batiam no próprio peito e gritavam `Misericórdia' e com a outra continuavam a surrupiar coisas das ruínas".
A carnificina foi inconcebível e os pensamentos da Darwin voltaram-se para seu lar. E se um terremoto atingisse a Inglaterra, com suas "casas altivas, cidades densamente povoadas, os grandes estabelecimentos de manufatura, os belos edifícios públicos e privados? Que "horrível destruição de vida humana haveria".
O país "ficaria falido; todos os papéis, registros e documentos... estariam perdidos... O governo não poderia coletar impostos". Era uma perspectiva terrificante -uma revolução como nenhuma outra, a derrubada violenta de tudo o que ele queria bem. E ainda pior, ninguém podia prever quando um terremoto chegaria. "Quem pode dizer quão logo isso vai acontecer?"
Emocionalmente exaurido, Darwin começou a pensar com frieza. Ele descobriu leitos frescos de mexilhões colocados acima da maré alta, todos os mariscos mortos -a terra havia sido elevada em alguns pés! O que ele estivera trazendo à baila o tempo todo, a não ser o continente emergindo do mar? E agora ele havia experimentado isso! Lyell havia demonstrado o mesmo para a baía de Nápoles, onde um templo romano submerso fora suspenso para fora d'água por um terremoto.
Isto era a confirmação final de que as montanhas não eram criadas em um único soerguimento colossal. Lyell estava certo: elas cresciam de modo quase imperceptível, produto de milhares de minúsculos soerguimentos como aquele ao longo das eras.
Tempo, tempo inimaginável, esta era a chave; dado isto, tudo poderia ser atingido. Agora Darwin compreendia. Ele cartografou o epicentro do tremor e atribuiu sua causa à ação vulcânica incipiente. Fontes aquecidas e "bolhas de gás e água manchada" infiltrando-se no mar provavam além de qualquer dúvida que "a Terra é uma mera crosta flutuando sobre uma massa derretida e fluida de rocha".
Terremotos e vulcões haviam revelado o espantoso poder da natureza, sua força condutora. Mas onde o homem -o insignificante homem- se enquadrava neste retrato? Era "amargo e humilhante" contemplar sua vulnerabilidade, "patinando sobre gelo muito fino", uma lâmina de crosta acima de uma fornalha ígnea. Ainda assim, ele teria de aceitar isso.
(págs. 178-180)

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