São Paulo, domingo, 11 de junho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Brasil provoca enlevo e revolta

DA REDAÇÃO

No trecho seguinte, Darwin chega ao Brasil em 1832, onde presencia a "exuberância" da natureza tropical e experimenta a repugnância por uma sociedade escravocrata.

Um vento alísio apanhou o Beagle e o soprou com firmeza para o Brasil. Ele aportou em Salvador, na Bahia, ancorando na Baía de Todos os Santos em meio a uma floresta de grandes navios; em 28 de fevereiro, Darwin colocou os pés no continente pela primeira vez. A velha cidade, com seus ancoradouros malcheirosos e ruas estreitas, fazia Darwin lembrar-se dos dias de estudante na "Auld Reekie". Mas ali as casas elegantes estavam "envoltas em mata luxuriante" e igrejas caiadas e pórticos imponentes cintilavam contra o pano de fundo verde. Era estação de chuvas, e nenhuma outra época era melhor para ver a floresta.
Por fim realizava-se o desejo de Darwin. Os retratos-palavras de Humboldt vieram à vida, ainda que suas "gloriosas descrições" não fizessem justiça. Darwin perambulou sozinho hora após hora, deslumbrado pela "exuberância da vegetação... a elegância das gramíneas, a novidade das plantas parasitas, a beleza das flores". Sua mente era "um caos de delícia". Fazendo uma pausa em um recanto sombreado, ele escutou a vida zunir, coaxar, palpitar. Agora, como em eras passadas, quando nenhum intruso humano estava perto para ouvir, a floresta reverberava até "a mais paradoxal mistura de som e silêncio", como alguma grande catedral na oração da tarde, com a antífona esvanecendo-se até a "tranquilidade universal".
(...) De volta à cidade, era temporada de carnaval, e ele se aventurou pelas ruas festivas com os tenentes Wickham e Sulivan, apenas para bater em retirada apressada sob uma barragem de "bolas de cera cheias d'água" e o borrifo de "grandes esguichos de lata". Mas havia pouco para celebrar ali. Nos armazéns dos mercadores, escreveu ele com mordacidade, "todo o trabalho é feito por negros". Eles vinham a preço tão baixo que o investimento de capital era nulo; apenas uma "carruagem com rodas" podia ser vista. Os negros carregavam tudo. Ainda assim, "quando cambaleiam sob seus pesados fardos", eles "matam o tempo e se animam com um canto rude".
Os sofrimentos dos negros constituíam um ponto de divergências sensível a bordo do navio, com FitzRoy justificando a sorte dos negros. Um dia ele observou que a escravidão não era intolerável, pois os brasileiros no geral tratavam bem seus criados negros. FitzRoy era muito viajado e Darwin não, mas em seu coração Whig Darwin distinguia o certo do errado. A escravidão era a única instituição contra a qual toda a sua família invectivara. Ela era perversa e Darwin sugeriu que a única solução era a emancipação. FitzRoy ferveu; "Café Quente", a tripulação o chamava por sua calma, e Darwin foi escaldado. FitzRoy ouvira um senhor de escravos perguntar a seus servidores se eles eram infelizes ou desejavam ser libertados. "Não", eles haviam replicado -portanto, seu desejo não deveria ser respeitado? Darwin perguntou o que valia a resposta de um escravo na presença de seu senhor.
(págs. 137 e 138)

Texto Anterior: A dinâmica do mundo vista num terremoto no Chile
Próximo Texto: Segredo da revolução intelectual
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.