São Paulo, domingo, 11 de junho de 1995
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Viagem incluiu o Brasil

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Brasil e Charles Robert Darwin trombaram em 1832. Ainda não foi o começo do ``darwinismo" no país, mas foi uma trombada com consequências importantes para uma das teorias científicas mais revolucionárias da história.
Darwin conheceu o carnaval na Bahia e uma festa junina no interior do Rio, mas o que realmente impressionou o britânico foi a natureza do país.
``Nós achamos que era muito difícil manter a dignidade andando pelas ruas", disse ele do carnaval de rua baiano. Ainda não havia trio elétrico, mas Darwin não gostou de ser alvo de baciadas d'água do populacho.
Em compensação, ficou fascinado com a Mata Atlântica, aquela mesma que os brasileiros alegremente têm se dedicado a destruir desde então.
``Delight", ``deleite", diz ele, é uma palavra débil demais para revelar o prazer sentido ao andar pela primeira vez por uma floresta dessas.
Para uma naturalista com vinte e poucos anos que tinha até então feito umas parcas expedições pelo campo inglês, a floresta era de fato o paraíso que os primeiros europeus achavam que ela poderia ser (até pegarem algumas das muitas doenças tropicais, das quais a Aids e o vírus Ébola são as mais recentes e populares).
O diário de Darwin nestes dias revela uma frase precoce. Para ele, a variedade de formas vivas dos trópicos indicava que essa região deveria ser o ``berço" da humanidade. Ou seja: o ambiente influenciaria as formas de vida nele existentes. Não seria um deus que teria criado a vida e jogado suas formas diversas a esmo pelo planeta.
Darwin era um observador dedicado, um verdadeiro repórter. Poderia ter dado contribuições seminais para a etnografia ou sociologia se quisesse. ``Todo mundo aqui pode ser subornado", disse ele do Rio de Janeiro. ``Um homem pode se tornar um marinheiro ou um médico ou qualquer profissão, se pagar o suficiente".
Ele também notou os ``enormes crimes" que aconteciam e a impunidade dos culpados. E ficou indignado ao ouvir da elite do país que o grande problema na lei inglesa era que os ricos não tinham vantagens sobre os pobres e miseráveis. A escravidão o horrorizava, e previu que ela atrasaria o desenvolvimento do Brasil.
O naturalista preferiu porém se dedicar a explicar a natureza. O Brasil lhe deu o primeiro gostinho da variedade das espécies vivas. O resto da América do Sul, principalmente as Ilhas Galápagos, mostrariam como o ambiente e essa variedade interagem. Eventualmente ele atinou com a ``seleção natural".
Um dicionário de ciência define seleção natural como ``o processo na natureza pelo qual os organismos melhor adaptados ao seu ambiente tendem a sobreviver e a transmitir seus características genéticas". É o que ficou popularizado como ``a sobrevivência dos mais aptos".
O próprio Darwin escreveu que ``essa preservação de variações favoráveis e a rejeição de variantes prejudiciais, eu chamo de seleção natural".
O ``darwinismo" propriamente dito começou depois da publicação da ``Origem das Espécies", e o Brasil teve a sorte de ter por aqui um darwinista de carteirinha, o alemão Fritz Müller (1822-1897). Ele foi um dos responsáveis pela disseminação do pensamento de Darwin na Alemanha e entre a minúscula intelectualidade do Império do Brasil. Foi uma das bases para que a biologia moderna criasse raiz no Brasil.

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