São Paulo, domingo, 11 de junho de 1995
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Antes do dilúvio

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Balas perdidas, sequestros e carros roubados tinham de cansar. Continua havendo, em escala progressivamente maior, mas o carioca é sábio, não gosta de se repetir. Daí que escolheu outro inimigo nº 1 da cidade: apesar de número 1, são milhares, milhões. Desde que Noé soltou uma pomba para ver se as águas do dilúvio haviam baixado, os pombos são uma desgraça da humanidade em geral e do Rio em particular.
O carioca é meio afobado, nem espera as águas do dilúvio baixar, já se encheu com balas perdidas, sequestros e roubos de carro. A novidade agora são os pombos, cuja malignidade está sendo combatida com boa cobertura da mídia local.
Uma colunista sugeriu que se colocasse pimenta do reino no tradicional milho que dão aos pombos. Grupos de trabalho, especialmente formados para combater a praga, pedem maior eficiência, acham que os pombos devem ser exterminados na marra, na base do tiro.
Confiam no apoio da cidadania, do Betinho e de dona Ruth, que topam qualquer campanha que dê marketing. Acho que desta vez os pombos estão perdidos.
Nada tenho contra eles. Certa manhã, depois de um show noturno na Praia do Diabo, ajudei a moça que pisou numa seringa ali abandonada, a agulha entrou no calcanhar e se partiu, ela foi parar no Miguel Couto onde tomou injeção antitetânica mas ficou grilada, achando que ia pegar Aids. Tudo é possível.
Os pombos são calhordas, não transmitem Aids nem ébola (pelo menos até ontem), mesmo assim são nocivos. Mãe de família em Copacabana garante que seu filho pegou asma por causa dos pombos. Também é possível.
Consta que todos os ingleses, sobretudo quando se sentem ultrajados, falam com asma -e os pombos que acompanharam Júlio César na campanha da Britânia devem ser os culpados.
Nunca assinei manifestos em favor do mico-leão-dourado, das focas ou das baleias. Tampouco assinarei qualquer documento a favor dos pombos. Agora, é sacanagem botar pimenta na comida deles.

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