São Paulo, domingo, 11 de junho de 1995
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Para Covas, até uma criança fatura mais

CLÓVIS ROSSI
DA REPORTAGEM LOCAL

Para o governador de São Paulo, Mario Covas, a crise da Fundação Padre Anchieta é decorrente da incapacidade de gerar receita própria compatível com os equipamentos da TV Cultura.
``Até uma criança, com todo aquele equipamento, faturava mais", disse Covas à Folha, em entrevista exclusiva concedida por telefone na noite de terça-feira.
O governador leu todos os números que mostram uma grande desproporção entre receita e despesa. Aproveitou para desabafar: ``Eu não sou contra a Cultura. Não há é dinheiro para dar mais a ela".
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - Não lhe parece uma situação estranha essa em que o Estado não apita coisa alguma na Fundação Padre Anchieta e, no entanto, paga quase todas as suas contas?
Covas - Todas as fundações são assim. Têm liberdade para fixar salários e uma série de coisas. Mas toda vez que se faz uma fundação, se faz com a idéia de que, com ela, é mais fácil obter recursos. E é a única coisa que acabou não acontecendo.
Na Cultura, a idéia da fundação foi muito boa, porque tira a ingerência política em um órgão de publicidade automática. Eu aparecendo na televisão mais do que os outros estou tirando vantagem política. O fato de ser uma fundação é tão bom que, quando fui fazer o ``Roda Viva" outro dia, apresentei a fundação (Padre Anchieta) como exemplo a ser repetido pelo Banespa. Se se quer tirar a ingerência política do governador numa dada atividade, é fácil. A Fundação Padre Anchieta conseguiu fazer isso. Acabaram de escolher o administrador e nem perguntaram coisa alguma.
Folha - Mas não há uma acomodação excessiva em face da transferência automática de recursos do Estado para a fundação?
Covas - Eu não quero dizer isso, mas, no fundo, há. O Nakano (Yoshiaki Nakano, secretário da Fazenda do governo de São Paulo) sentou com eles, no começo do ano, e disse que teríamos que cortar 30%. Disse a mesma coisa para as empresas (estatais). Fiz a mesma coisa com os hospitais. Por quê? Porque não tem dinheiro, então precisa cortar um pouco de cada.
Em 91, a rádio e TV Educativa tinha 1.649 funcionários, com salário médio de R$ 1.623 (em valores atualizados). Receita própria: R$ 1,260 milhão. Despesas: R$ 49,533 milhões. Em 92, a receita própria era de R$ 649 mil e a despesa, de R$ 66,426 milhões. Em 93, receita de R$ 1,629 milhão e a despesa, de R$ 63,322 milhões. Em 94, receita de R$ 1,497 milhão e despesa de R$ 57,958 milhões. Para 95, a dotação inicial era de R$ 51,276 milhões, para uma receita própria de R$ 762 mil.
A nova estimativa dava: receita, R$ 1,2 milhão. Despesa, R$ 54,495 milhões. Eu disse: não dá para dar isso, gente. Eles diziam que a qualidade ia ficar prejudicada. Eu dizia: não estou querendo que vocês quebrem a qualidade, quero que aumentem a receita. Diziam: ah, mas a TV não pode fazer propaganda. Não quero que faça propaganda. Será que, com aquele equipamento todo, não podem prestar serviço e faturar?
O governo federal está fazendo esse projeto de educação à distância. Não dá para ir atrás de uma parte do contrato? Não dá para gravar comerciais de uma dessas empresas de publicidade?
O que não dá é para vocês gastaram R$ 54 milhões e faturarem R$ 1,2 milhão. Quantos funcionários tem? A estimativa é de 1.694, com salário médio de R$ 1.813, piso de R$ 175 e teto de R$ 6.107. Até aí, não me importa. Os salários não são fixados pelo Estado. Mas não dá para ter uma receita de R$ 1,2 milhão.
Se fizerem uma receita de R$ 30 milhões, podem gastar R$ 60 milhões.
Folha - Mas a fundação acha viável fazer uma receita maior?
Covas - Não sei se acham viável. Mas qualquer pessoa de bom senso vê que é viável. Não pode vender publicidade, não vende. Nem eu quero que venda. Mas pode ter patrocinadores, uma porção de coisas. O problema, conforme os números que mostrei de 91 para cá, é que sempre entrou dinheiro e nunca foi necessário faturar.
Então, o cara pode até dizer que é um tremendo administrador, porque faturou R$ 600 mil e gastou R$ 60 milhões. Assim, também eu faço um paraíso. Se estimavam faturar este ano R$ 1,2 milhão, dá R$ 100 mil por mês. Até uma criança faturava mais de R$ 100 mil por mês.
Folha - Mas se há uma acomodação porque entra dinheiro de qualquer forma, vai continuar havendo mesmo com o corte porque o Estado continua contribuindo...
Covas - Está bom. Mas pelo menos podem pensar em pular a receita própria, no primeiro ano, para 37% (das despesas). No ano que vem, estarão habilitados a se tornarem mais independentes. Para que querem ser fundação então? Só para ficarem com salários diferentes do funcionalismo?
Eu não mandei mandar ninguém embora, não. Não quer cortar no pessoal e no custeio? Aumenta a receita, ora.
Não é porque eu sou contra a Cultura. É porque não tem dinheiro mesmo.

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