São Paulo, segunda-feira, 12 de junho de 1995
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Coppélia acaba em pizza

JOSUÉ MACHADO

Erramos: 16/06/95
Por um erro de digitação, o nome Palhares foi trocado por Palmares na coluna "Dito e Escrito" da pág. 3-2 ( São Paulo) da edição de 12/6.
Coppélia acaba em pizza
Dois pizzaiolos, Flávio e Marcos Palhares, escrevem prevenindo sobre o seguinte:
``Montamos com sócios uma ótima pizzaria na rua Nundiaú, travessa da avenida Adolfo Pinheiro, zona sul de São Paulo, e temos duas dúvidas. O nome que escolhemos é Coppélia. Será Copélia, Coppelia, Copeellia ou Copéllia, como já palpitaram alguns? E Nundiaú, o nome da rua? Como será escrito com a reforma ortográfica que vem por aí?"
Publicidade gratuita, hein, modestos mancebos? Vocês são sutis como o Palmares do Nelson Rodrigues. Lembram-se dele? Não respeitava nem a cunhada e pespegou-lhe, como diria o deputado Roberto Campos numa epígrafe, pespegou-lhe um beijo no cangote ao passar por ela num corredor deserto. São parentes? Publicidade é com o setor comercial da casa. Mas como a TV Globo exibiu o balé Coppélia na segunda-feira passada, grafando-lhe o nome sem o acento original -``Coppelia"-, vale a pena aceitar a provocação.
No Brasil, 78,39% dos nomes de casas comerciais, principalmente de comida, bebida e espetáculos, são estrangeiros, principalmente de língua inglesa. Fosse na França não haveria essa Babel comercial, porque os amigos lá detestam invasões, inclusive de língua, no bom sentido. Mas aqui vale tudo, portanto uma palavra francesa como ``Coppélia" numa casa comercial serve de contraponto ao predomínio de língua inglesa. Se quisessem poderiam aportuguesá-la para ``Copélia" que ninguém se queixaria.
``Coppélia" é o nome de um balé do compositor francês Léo Clémente Philidor Delibes (1836-1891), que o batizou assim mesmo, com dois pês e acento agudo que marca o ``e" pronunciado e fechado. Eles a pronunciam ``Copêliá", como nossas oxítonas. É a obra mais famosa de Delibes e à primeira vista não combina com pizza. Os garçons usarão sapatilhas?
Quanto à rua Nundiaú, a grafia não será alterada se a reforma vier. Continuará sendo escrita com acento agudo no ``u" como outras palavras com ``i" ou ``u" tônico em hiato: baús, Jaú, país, caí, destruí, ruí, juízes, viúva, ciúme etc.
Se a reforma vier, daqui a muito tempo, lá pelo século 21 (esta Folha utiliza algarismos arábicos para nomear séculos, papas e reis), se a reforma vier, eliminará alguns acentos diferenciais pouco usados (côa/coa, pêra/péra/pera, pêlo/pelo, pôlo/pólo/polo, pára/para, pôr/por etc. Só manterá o acento diferencial obrigatório em pôde; o de fôrma será facultativo. A reformeta eliminará também o trema, que a Folha não usa faz tempo; podará o acento aos ditongos ``ei" e ``oi" de timbre aberto (idéia, assembléia, papéis, réis, apóio, bóia, jóia etc.). Mandará para o espaço o acento de palavra que termine em ``eem" e ``oo": (dêem, vêem, enjôo, vôo etc); rifará o acento de formas verbais como argúe, argúi, averigúe, redargúe, obliqúe etc., e dará uma ordenada no uso do hífen, que desaparece em palavras compostas formadas por prefixos terminados em vogal, se o elemento seguinte começa com ``r" ou ``s"; nesse caso as consoantes duplicam-se e apagam o hífen: supra-renal será suprarrenal, anti-semita será antissemita e assim por diante; haverá hífen se a última letra do prefixo e a primeira da palavra seguinte forem iguais: arqui-inimigo em vez do atual arquiinimigo etc.
Como se vê e já escrevemos aqui, nada que se compare com uma boa pizza, que algum dia se chamara ``pitsa" ou ``pitça", se houver uma reforma nacionalista em nossa língua.

Brilho de poliglota
Por falar em palavras exóticas em cartazes, o leitor Carlos Eduardo Martins, do Rio de Janeiro, manda, surpreso, recorte de anúncio de meia página de jornal com grandioso título:
``And the `Oscar' go to... Hokkins!"
Embora esta coluna trate de nossa amada língua, um texto monumental como esse de meia página inteira, diria Quércia, grita aos olhos e ouvidos até de monoglotas convictos como o Itamar. Em que obscuro gueto do Harlem ou de Sapopemba o amigo autor das bem-traçadas linhas supostamente anglicanas foi descolar esse ``... the `Oscar' go to..."? Os distribuidores de Oscar ou de quaisquer outros prêmios na terra de Mike Tyson costumam dizer ``The Oscar goes to...", na terceira pessoa do singular. O que o poliglótico redator escreveu equivale aos versos de Adoniran Barbosa em ``Samba do Arnesto":
``O Arnesto nus convidô
Pru samba, ele mora no Brais.
Nóis fumo e num incontremo ninguém
Nóis fiquemo cuma baita duma reiva
Da outra veiz nóis num vai mais.
Nóis num semo tatu."
Assim que é bom: brilhar em português e também em inglês. Inglês?

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