São Paulo, segunda-feira, 12 de junho de 1995
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Produtor ou consumidor

SHIGEAKI UEKI

Eis a questão. Após 50 anos do término da Segunda Guerra Mundial, as duas nações economicamente mais fortes, Estados Unidos e Japão, exatamente os principais protagonistas da guerra do Pacífico, declaram uma nova guerra.
Desta vez, sem tanques, aviões e navios de guerra, mas com automóveis, chips, dinheiro e hambúrgueres; uma guerra comercial, cujo término pode provocar profundas mudanças no quadro econômico, político e social mundial, como aconteceu 50 anos atrás.
A análise das causas desta nova guerra mostra que ela resulta do grande superávit comercial registrado pelo Japão ao longo dos anos face ao enorme déficit por parte dos Estados Unidos que, assim, passaram de país credor a devedor.
Se aprofundarmos, porém, a análise, verificaremos que a causa das causas reside na diferença fundamental das políticas econômicas adotada pelos sucessivos governos dos dois países. Os governos japoneses procuraram sempre proteger seus produtores, enquanto os governos norte-americanos cuidaram demasiadamente bem dos seus consumidores.
No Japão, os ministérios, os bancos oficiais e privados, as universidades e os meios de comunicação sempre se preocuparam com a produção para exportação e para o consumo interno, mantendo sua moeda sempre desvalorizada.
Vale enfatizar a ordem. Produzir primeiro para exportação e depois para consumo interno.
Os Estados Unidos -nação rica e poderosa por dois séculos-, nos últimos 50 anos, abandonaram a sua política tradicional de prestigiar o produtor e passaram a adotar com entusiasmo a defesa do consumidor. Por isso, é comum dizer que nos Estados Unidos o consumidor é rei, enquanto que, no Japão, o produtor é xogum!
E o nosso país? Nos sucessivos governos de que participei, sempre houve a maior preocupação com a produção.
Daí o aumento na produção do petróleo, na geração de energia elétrica, na produção de aço, alumínio, petroquímicos, fertilizantes etc. e, sobretudo, um grande aumento na produção agrícola, resultados de uma clara política orientada para produzir.
Com o aumento da produção, criaram-se novos empregos, ampliaram-se as exportações e passamos a registrar saldos favoráveis na balança comercial.
Esses saldos eram suficientes para pagar os juros da dívida externa, gastos com transportes e turismo externo, entre outros. Não eram, porém, suficientes para sairmos da condição de devedor para a de credor, como aconteceu com Japão, Alemanha, Taiwan e alguns outros.
Nos últimos anos, houve aqui uma grande mudança nessa política. O automóvel produzido no país, além de ser rebaixado para a categoria de carroça, foi substituído pelo importado e até o leite em pó da vaca brasileira passou a ser rejeitado. O arroz do Rio Grande do Sul estocado desde a safra passada passou a ser substituído pelo arroz norte-americano, tailandês e vietnamita.
Um grande fabricante de calçados de Franca (SP), em vez de produzir para exportar, demitiu seus trabalhadores e passou a importar calçados da Itália e China. Era a única maneira de sobreviver.
Essa nova política é considerada moderna e a outra, por conseguinte, obsoleta, ``démodé". Os EUA já acordaram e dão sinais de que procurarão prestigiar os produtores. Deixaram que o dólar se desvalorizasse para que os seus produtos se tornem mais competitivos internacionalmente, para atrair mais turistas estrangeiros e, principalmente, atrair investimentos. Os governos estaduais abriram verdadeiras embaixadas para atrair produtores do mundo inteiro, a fim de que eles invistam em seus Estados.
A própria guerra comercial com o Japão evidencia essa mudança. Devemos fazer o mesmo. Na verdade, não há antagonismo entre produtor e consumidor. O produtor é consumidor de insumos e os consumidores são também produtores, direta e indiretamente, de bens e serviços. Há, porém, inegavelmente, agentes predominantemente produtores, como existem os que são predominantemente consumidores.
Os governos, em todos os níveis, se almejam um Brasil mais forte, devem dirigir a sua atenção para os produtores. Os bancos, oficiais ou privados, se querem prestar serviços que justifiquem as suas existências, devem financiar a custos suportáveis os projetos que visem aumentar a produção e gerar novos empregos.
As universidades e centros de pesquisa oficiais devem dirigir suas atenções para a produção. Hoje, infelizmente, os produtores são odiados como se fossem criminosos. Criou-se a imagem de que, no Brasil, as autoridades públicas, os banqueiros, os profissionais liberais, todos eles são eficientes, mas os produtores rurais e os industriais são todos ineficientes e vivem infernizando a vida nacional, pedindo câmbio realista para sobreviver e juros civilizados.
Quem não está satisfeito pode emigrar e produzir em outros países -parece ser o lema corrente nos últimos anos. Assim, continuaremos importando com financiamento externo, aumentando a dívida externa e pagando os juros mais altos do mercado mundial.
No Japão, o produtor continua xogum; nos Estados Unidos, começou o resgate do produtor; mas no Brasil ele continua um chato, anti-social e quase um criminoso. Pode?

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