São Paulo, segunda-feira, 12 de junho de 1995
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A imprensa e a crise

LUÍS NASSIF

Em qualquer economia democrática de mercado, a imprensa tem papel relevante no monitoramento de políticas econômicas, que é o de se constituir em caixa de ressonância dos diversos setores da economia afetados por medidas de governo.
Trata-se de função tão essencial para a política econômica quanto os instrumentos de que se valem os médicos para monitorar o estado do paciente.
No Brasil, a diversificação da economia, a má qualidade das estatísticas e o poder absurdo de que se revestiram as autoridades econômicas, faz com que medidas de política monetária sejam implementadas na base da tentativa e erro.
O próprio Pérsio Arida reconheceu dia desses que, com a atual política monetária, a decisão do Banco Central foi errar por excesso. Mas qual o nível de excesso cometido contra a economia? Como saber em que momento se está virando o fio e produzindo overdose de sacrifício inútil?
Assim como a febre, o elemento fundamental de monitoramento do organismo econômico é a choradeira dos setores prejudicados, analisada, triada de maneira crítica, porém honesta pela mídia -como forma de manter informado não apenas o leitor, mas as próprias autoridades econômicas.
Visão centralista
Dois pontos impedem que esse papel de caixa de ressonância seja desempenhado competentemente pela mídia.
O primeiro, a falta de uma estrutura de apuração regional por parte dos órgãos nacionais, que lhes permita conhecimento mais estreito e rápido do que ocorre na periferia -regiões e setores fora do centro do poder.
Mais cedo ou mais tarde, todo órgão que aspirar a ser nacional terá que assentar seus radares para o interior. No momento, isso não ocorre. A mídia reflete apenas o que acontece ou no governo ou nos setores economicamente influentes.
O segundo ponto é esse recurso de caracterizar monocordicamente todo protesto. como ``lobby`` ou ``choradeira``.
A agricultura está completamente quebrada pelos juros. Basta generalizar meia dúzia de malandros que enriqueceram com o crédito rural, e uma bancada de deputados de baixo nível, para extirpar-se o problema da lista de preocupações nacionais.
Os índices de inadimplência das empresas, medidos pelo Serasa, bateram recordes do Cruzado 2. Basta caracterizar as reclamações como ``choradeira da Fiesp" para ter-se um problema a menos com que se preocupar.
A inadimplência das pessoas físicas atingiu limites alarmantes. É problema dos consumidores que gastaram além da conta, por não estarem preparados para o exercício da cidadania (cáspite!).
A economia nordestina está completamente parada. Mas todo empresário nordestino só pensa em crédito subsidiado, dizem eles.
As agências bancárias que têm contas de petroleiros informam que os índices de inadimplência entre eles chega a 20%. Basta tachá-los de marajás para liquidar a discussão.
Os juros estão quebrando Estados, fazendo com que até governadores aliados do governo -como Antônio Britto, do Rio Grande do Sul, e Mário Covas, de São Paulo- acendam a luz vermelha. Em vez de reclamar, deveriam racionalizar as despesas de seus Estados -mesmo sabendo-se que não há racionalização capaz de compensar o aumento do custo da dívida e a queda da receita, provocados por essas taxas de juros.
Será que a função social da imprensa é reproduzir acriticamente essa visão preconceituosa, reduzindo toda discussão a um slogan?
Respeito aos fatos
Quando uma pessoa ou empresa está inadimplente, é problema dela. Quando dois estão inadimplentes, problema deles. Quando metade do país está quebrado, os problemas econômicos vão muito além das meras decisões individuais.
Reconhecer o que ocorre não é postura de esquerda ou direita, neoliberal ou progressista. É apenas uma questão de respeito aos fatos -base do ofício jornalístico.

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