São Paulo, terça-feira, 13 de junho de 1995
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Os preconceitos do senhor Maílson e a agricultura

FERNANDO HOMEM DE MELO

O ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega (governo Sarney), em seu artigo na Folha de S. Paulo de 1º de junho, mostrou dois preconceitos pouco conhecidos. Primeiro, em relação à chamada ``bancada ruralista". Segundo, contra o setor agrícola brasileiro, em sua gravíssima situação atual. Quanto ao primeiro, certamente os líderes da bancada ruralista defenderão as suas recentes posições. Nosso objetivo aqui é evidenciar a dramática situação do setor agrícola, causada pelas distorções do Plano Real, para a qual o ex-ministro parece não estar sensibilizado, ou para a qual não demonstra um maior entendimento. Aliás, o setor urbano, de modo geral, também parece pouco entender dessa grave situação.
A agricultura como um todo, e não os endividados, confiou no Plano Real, particularmente em sua capacidade de aumentar o mercado interno consumidor, com o controle do processo inflacionário. Em resposta, o setor expandiu sua produção de grãos para cerca de 80 milhões de toneladas. A área cultivada ficou constante, mas houve um expressivo aumento de produtividade. A confiança levou a uma maior tecnificação.
Entretanto, essa confiança do setor agrícola foi atropelada pelas duas grandes e interligadas âncoras (ou problemas) do Plano Real, a partir de julho de 1994: a) a tremenda valorização da nossa taxa de câmbio real, em proporções muito maiores do que em países passando por programas de estabilização, e b) as absurdas taxas de juros reais no mercado financeiro (e, por consequência, nos financiamentos agrícolas de custeio, comercialização e de investimento).
Isso, e suas consequências perversas ao setor agrícola, o ex-ministro Maílson não percebe ou não entende. Entre junho de 1994 e abril de 1995, a valorização real da nossa taxa de câmbio foi da ordem de 26% relativamente ao dólar norte-americano. A política econômica, defendida pelo ex-ministro Maílson, fez isso sem, ao mesmo tempo, se preocupar com a remoção do chamado ``custo Brasil", no que diz respeito aos impostos sobre produtos agrícolas e ao ajuste fiscal, tão necessário. A Argentina, ao contrário, em muito reduziu suas distorções internas.
De outro lado, os absurdos juros reais no mercado financeiro, clara evidência da fragilidade fiscal do Plano Real, têm duplo efeito desfavorável sobre o setor agrícola como um todo (não apenas sobre os endividados de boa-fé): a) onera e desestimula o carregamento de estoques pelos vários agentes econômicos; o efeito disso é deprimir os preços aos produtores, endividados ou não endividados, agora na época de safra, e b) aumenta a taxa de juros real nos financiamentos agrícolas de custeio, comercialização e investimento, por meio da elevação da TR em taxas muito acima das taxas de inflação. Essa última distorção do Plano Real, tão ardorosamente defendida pelo ex-ministro Maílson da Nóbrega, fez com que a agricultura pagasse uma das maiores (se não a maior) taxa de juros real do mundo, ou seja, correção monetária mais 22% ao ano.
Como se tudo isso não bastasse, em termos de suas adversas consequências sobre os preços agrícolas, juntaram-se duas outras variáveis prejudiciais à agricultura: a) a excessiva redução das tarifas de importação de produtos agrícolas com vistas ao controle do processo inflacionário, e b) a inoperância da política agrícola, no sentido de dar um mínimo de sustentação aos preços recebidos pelos produtores em plenas colheita e comercialização. Os preços de mercado de milho, arroz e soja estão bem abaixo de seus preços mínimos de garantia.
Os efeitos somados dessas quatro distorções estão sendo dramaticamente desfavoráveis aos preços agrícolas. O ex-ministro Maílson talvez não esteja inteiramente ciente disso. Comparando-se os preços reais recebidos pelos produtores paulistas em abril de 1995 e de 1994, o seguinte resulta: a) feijão, -63,1%; b) soja, -30,8%; c) milho, -21,8%; d) algodão, -12,9% e e) arroz, -9,0%. Com isso, a taxa de juros real, medida contra os respectivos preços, torna-se absurdamente alta. A preços de abril de 1995, estimamos uma queda de 32,5% na receita total do setor de grãos, correspondendo a -R$ 5,6 bilhões. O setor agrícola não está ganhando com o crédito fiscal da Cofins e do PIS, nem com o ganho financeiro por meio dos ACC. Também não ganha com os aumentos das tarifas de importação de automóveis, outros bens duráveis, de calçados, de tecidos/confecções e de brinquedos.
A credibilidade do ex-ministro Maílson perante a sociedade é muito grande. Existem razões objetivas para a ``crise agrícola". Ela não foi inventada pela ``bancada ruralista". É importante que o ex-ministro Maílson entenda que o governo a estava desconsiderando. A política da TR foi imperdoável. A decisão do Congresso Nacional sobre a TR deve ser analisada nos contextos dessa desconsideração e da gravidade da crise. Ela fez o governo se mexer em termos de política agrícola. É desse modo que a agricultura está sendo vítima da política macroeconômica.

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