São Paulo, terça-feira, 13 de junho de 1995
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De privilégios e miragens

DE PRIVILÉGIOS E MIRAGENS

Era uma vez um país muito estranho. Sua Constituição dizia: ``Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". Numa outra passagem, afirmava: ``São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados".
Na prática, porém, o que se observava é que a educação -no sentido pleno do termo- era privilégio de uma elite. A saúde pública atravessava uma situação de penúria. O trabalho, em muitos casos, só era encontrado sem proteção legal.
Para uma parcela significativa da população, o que mais se aproximava da noção de lazer era saber que não passaria fome no dia seguinte. Segurança era mercadoria de alto valor eleitoral, mas pouca realidade física. A previdência social era, para a maioria, aviltante. Proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados não passavam de passagens relativamente obscuras da Carta Magna.
Neste país, o ministro da Saúde saía em corajosa campanha para recriar um impopular imposto que lhe garantiria os R$ 3,45 bilhões -suficientes para o sistema não quebrar de vez-, enquanto um generoso Estado abria mão de R$ 11 bilhões de receitas anuais por meio de diversos mecanismos de renúncia fiscal, em geral concedidos aos que poderiam pagar.
Um cidadão que vivesse numa das mais pobres regiões do país, onde a expectativa de vida média é de 47 anos, jamais viveria o suficiente para gozar um único dia de uma aposentadoria de apenas R$ 100. Em contrapartida, algumas castas de privilegiados eram capazes de transformar seus rendimentos integrais em pensões para suas descendentes até a segunda geração ou precisavam contribuir apenas oito anos para ter garantida uma aposentadoria confortável.
Enquanto mendigos morriam de frio e de fome nas ruas, algumas pessoas que contavam com a graça do poder recebiam proventos do Erário apenas por serem parentes longínquos de alguma celebridade, como os trinetos de Tiradentes.
Trata-se de um país que esqueceu o que escreveu. Não só nem todos são iguais perante a lei, como há aqueles que são muito mais iguais, sobrevivendo muito bem à custa da miséria de grande parte da população. Enquanto as castas de privilegiados se mantiverem aferradas a suas benesses, todos os bonitos princípios enunciados na Constituição permanecerão como uma distante miragem.

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