São Paulo, quinta-feira, 22 de junho de 1995
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Justiça libera livro que acusa brigadeiro

EMANUEL NERI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Por unanimidade, a 4ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio cassou liminar que havia apreendido toda a edição do livro ``O Calvário de Sônia Angel", de autoria do tenente-coronel reformado do Exército João Luiz de Moraes.
O livro foi apreendido em junho do ano passado por determinação do juiz Gilberto Fernandes, da 8ª Vara Cível do Rio, a pedido do brigadeiro reformado da Aeronáutica João Paulo Moreira Burnier.
No livro, Moraes acusa Burnier de ser o responsável pela morte de Stuart Angel Jones, em 1971, no Rio, durante o regime militar. Stuart era casado com a filha de Moraes, Sônia, que morreu dois anos depois, em São Paulo.
Ambos pertenciam à organização de esquerda MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro). Depois, Sônia militou na ALN (Ação Libertadora Nacional). Ambos os grupos optaram pela luta armada contra o regime militar.
O livro foi lançado em maio do ano passado. Mas Burnier conseguiu liminar na Justiça para a sua apreensão. Na época da morte de Stuart, Burnier comandava a 3ª Zona Aérea, com sede no Rio.
Moraes relata no livro que Stuart morreu ao ser ``forçado a aspirar gases tóxicos expelidos pelo cano de descarga de uma viatura militar (um jipe) em funcionamento", na Base Aérea do Galeão.
Afirma ainda que o general Pery Constant Bevilacqua, morto há seis anos, contou a ele que ``Burnier segurava Stuart pelos cabelos, introduzia sua boca no cano de descarga e mandava acelerar o motor do jipe".
No caso de Sônia, Moraes relata que, antes de morrer, ela foi estuprada com um cassetete. Depois, foi atingida por dois tiros na cabeça. A versão oficial é de que ela morreu em tiroteio com a polícia.
Moraes chegou a ser preso em São Paulo ao investigar a morte da filha. Aos 73 anos, doente, ele acha que a apreensão do livro viola a liberdade de expressão.
``Se Burnier discorda das acusações, então que me processe", afirma.
Editado pela Gráfica MEC Editora Ltda., o livro conta detalhes da prisão e do desaparecimento de Sônia. Sepultada com nome falso, seu corpo só foi encontrado em 1992, em uma vala do cemitério de Perus, em São Paulo.
Depois da liberação do livro, Moraes iniciou outro projeto para resgatar a memória da filha. Pediu à pintora russa Radda Dimitrova, que mora no Rio, pintar um quadro de um jovem de 24 anos.
É o neto que Sônia e Stuart dariam a Moraes se não tivessem morrido. ``Assim como Jesus nasceu de uma virgem, por causa do poder divino, nós temos o poder da arte e criamos nosso neto", diz.

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