São Paulo, quinta-feira, 22 de junho de 1995
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Rushdie recria relação Oriente-Ocidente

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Se o Oriente é a miragem do Ocidente, o Ocidente também é a do Oriente. Foi dessa interseção de miragens que o escritor Salman Rushdie fez as fábulas de ``Oriente, Ocidente", uma magistral, ainda que irregular, coletânea de nove contos que acaba de chegar às livrarias brasileiras.
Rushdie, nascido na Índia e naturalizado britânico, ficou célebre por ter recebido a ``fatwa" do aiatolá Khomeini, a condenação à morte por ``Versículos Satânicos" decretada pelo líder iraniano.
Mas a estética, claro, tem sua própria ética e, nesse sentido, é também um sinal de nossa miséria cultural que Rushdie seja lembrado apenas por ser um condenado e que tão poucas pessoas saibam que grande escritor ele é.
E não por causa de ``Versículos Satânicos", um épico que não sustenta seu tom por muito tempo, defeito que épicos não podem ter. Rushdie, por enquanto, encontra sua melhor forma nos contos.
Os contos mais bem-sucedidos de ``Oriente, Ocidente" são os mais fabulares, frutos evidentes da influência da literatura oral do Oriente Médio, ou aqueles em que Rushdie solta o humor à maneira de um Rabelais, o autor de ``Gargantua e Pantagruel".
No primeiro grupo está ``O Cabelo do Profeta", divertida história de um agiota que encontra um cabelo de Maomé, roubado de um santuário, e o cabelo acaba transtornando a vida de sua família.
No segundo está ``Yorick", uma leitura de ``Hamlet", de Shakespeare, do ponto de vista do bobo da corte daquele podre reino da Dinamarca. Com muita ironia e poder de sugestão, Rushdie acentua o quanto há de perversão naquela trama tão bem urdida.
Perversão e humor também guiam ``Cristóvão Colombo e Rainha Isabel de Espanha Consumam seu Relacionamento", que mostra o descobridor da América e sua mandante em meio a jogos amorosos bastante patéticos.
E o outro grande conto é ``Harmonia das Esferas", uma sátira ao que está oculto na mania dos ocultismos: como sempre, uma tremenda frustração sexual.
Nesses textos Rushdie prepara uma mescla de gêneros e obtém um jogo de espelhos entre ficção e realidade com uma perícia que, entre os escritores vivos, só é inferior à do americano Philip Roth.
Na sua ficção, realidades sempre ocultam miragens e vice-versa. As fronteiras persistem, mas quem há de definir suas latitudes?

Livro: Oriente, Ocidente
Autor: Salman Rushdie
Tradutora: Melina R. de Moura
Páginas: 232
Preço: R$ 17,50

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