São Paulo, quinta-feira, 22 de junho de 1995
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Física e literatura se encontram no acaso

DA REPORTAGEM LOCAL

A física e a literatura encontraram um fundamento em comum, no debate realizado na noite de anteontem entre o poeta Haroldo de Campos e o físico Luis Carlos Menezes: o acaso.
Campos apontou o poeta francês Stéphane Mallarmé (1842-1898) como inaugurador da pós-modernidade porque passou a trabalhar com a distribuição aleatória das palavras na página do livro. ``Mallarmé rompe com a forma fixa do verso", disse Campos. Mais ainda, adotou a própria luta entre homem e acaso como tema.
Menezes falou da física quântica, onde o princípio da incerteza tem papel fundamental. Ao afirmar que só é possível calcular probabilidades e nunca ter certeza sobre os acontecimentos do mundo físico, a teoria coloca o acaso como constituidor da natureza.
O debate fez parte da série ``Diálogos Impertinentes", promovido pela Folha e pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). O evento, mediado pelo diretor de Revistas da Folha, Caio Túlio Costa, e pelo professor Mario Sergio Cortella, foi transmitido ao vivo pela TV PUC, no canal 32 da rede de TV a cabo NET.
Menezes afirmou que a ciência contemporânea está mais perto do que nunca de formulações estéticas e apontou duas tendências da física. A primeira intervem na natureza e produz novos materiais. A outra tenta compreender o funcionamento do mundo através de teorias cada vez mais abrangentes.
``Desde Niels Bohr (1885-1962), temos a física da grande harmonia, baseada muito mais na percepção estética do que na intervenção na natureza."
Haroldo de Campos concordou. E lembrou que Albert Einstein (1879-1955) primeiro pensava em imagens em movimento antes de elaborar teorizações matemáticas.
O acaso, tema do debate, foi identificado de várias maneiras. No princípio de entropia, por exemplo, segundo o qual o universo caminha para estágios de desorganização cada vez maiores.
O físico expôs o princípio: qualquer coisa passa por mudanças constantes, seus átomos estão sempre mudando de configuração. Quanto mais energia estiver disponível, mais alterações são possíveis e mais longe está o equilíbrio.
Essas alterações se dão ao acaso, segundo o físico. A entropia é a medida dessa desordem, ``entendida como o número possível de estados que a matéria pode visitar". Portanto, a medida de quanto o acaso ainda pode intervir.
Campos citou o poeta João Cabral de Mello Neto, que ele considera ``o maior poeta brasileiro vivo", para falar do acaso na poesia. Segundo Campos, João Cabral não acredita em inspiração -mesmo que provoque emoções, o poema é uma produção intelectual, cerebral.
Mas essa produção não fecha as portas ao acaso. ``João Cabral não crê em inspiração, mas acredita no acaso. Na `Psicologia da Composição', ele afirma que o acaso é um raro animal", disse Campos.
Também não faltaram tentativas de ver poemas corresponderem a teorias físicas. Haroldo de Campos citou o poema ``Preparação para a Morte", de Manuel Bandeira (1886-1968), que aponta os ``milagres" do mundo antes de concluir: ``Tudo é milagre, menos a morte/bendita a morte, que é o fim de todos os milagres". Campos viu aí uma referência ao estágio final do universo dissolvido pela entropia.
A série ``Diálogos Impertinentes" prossegue até novembro, com exceção de julho. Em agosto, o antropólogo e senador Darcy Ribeiro discute o tema ``Utopia" com o psicanalista Rubem Alves.

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