São Paulo, quinta-feira, 22 de junho de 1995 |
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Imigrante judeu compõe 'raça' brasileira
JOÃO BATISTA NATALI
A questão judaica foi um tópico mais amplo na pauta brasileira de discussões. As elites tinham um projeto étnico (queriam criar uma ``raça") e, para tanto, a imagem do judeu auxiliava ou atrapalhava. As 371 páginas do trabalho de Lesser são rigorosas e desapaixonadas, com muito sabor factual. Eis os principais trechos de sua entrevista, anteontem, à Folha. Folha - Que significado se atribuía, naqueles tempos, a uma palavra vaga como raça? Jeffrey Lesser - Boa pergunta, que nem os brasileiros na época sabiam ao certo como responder, e está justamente nisso um dos aspectos fascinantes dessa questão. Folha - O judeu aparece em seu livro como um personagem involuntário do processo que, nos anos 20 ou 30, correspondeu à criação dessa raça. Lesser - Há dois judeus: o verdadeiro, que imigrava e vivia sua vida, e o judeu imaginário, o judeu ``inimigo" criado pelas elites, com base no anti-semitismo europeu. Havia leis que proibiam a entrada de judeus, e ao mesmo tempo muitos judeus desembarcavam. Folha - Mas não havia também uma outra ambiguidade, na medida em que o judeu, embora não-cristão, era branco e ``esbranquiçava" uma nação que as mesmas elites não gostavam de imaginar mulata? Lesser - O judeu imaginário era curiosamente visto como um não-branco. Foi preciso que a imigração se intensificasse para que o judeu verdadeiro -por exemplo um alemão, capaz de ficar rico- comprometesse essa idéia. Folha - O judeu foi visto como agente do desenvolvimento? Lesser - A elite sempre foi preconceituosa, mas a interpretação que dava ao preconceito mudou. A imagem do judeu rico, capitalista e explorador, tornou-se a de auxiliar do crescimento econômico. Folha - E como entra, nesse quebra-cabeça, a imagem do judeu ``comunista"? Lesser - Os primeiros judeus, no início dos anos 20, eram pouco politizados, não tínham vínculos com a esquerda européia. Mas isso pouco importava para alguns personagens influentes, como Oliveira Vianna, Filinto Muller ou Francisco Campos. Eram todos muito engajados ideologicamente. Incorporaram o estereótipo do judeu subversivo para reforçar sua oposição à imigração judaica. Folha - E Osvaldo Aranha (o chanceler de Vargas)? Lesser - Intimamente, e a correspondência dele o comprova, foi anti-semita, a exemplo de outros ministros do Canadá, França ou Inglaterra. Mas há uma diferença entre anti-semitismo e judeofobia. O judeófobo é inflexível em sua oposição ao judeu, o que não era o caso de Aranha. Ele soube manipular a questão judaica para que o Brasil obtivesse vantagens internacionais. Foi um grande político. Folha - Uma contradição? Lesser - De forma alguma. Eram peças que se articulavam perfeitamente. Baixar uma lei contra a imigração, como a circular secreta de 1937, e permitir que quase 5.000 judeus entrassem no Brasil em 1939 eram maneiras deliberadas de exercer o poder. Folha - Mas o Estado Novo, como um todo, não foi assim? Lesser - Exatamente. Vargas usou o anti-semitismo como um dos fatores de acomodamento dos grupos que compunham o poder. Folha - A partir de 1940, a imigração judaica cai abruptamente. Por quê? Lesser - Há duas coisas. Em 1941, por exemplo, o único porto aberto era o de Lisboa, e imagine as dificuldades que um judeu russo teria para atravessar a Europa antes de embarcar para o Brasil. Há também os efeitos da lei de 1942, que estipulou cotas por nacionalidades e derrubou a imigração. Folha - Qual o peso, nessas barreiras, da atuação do Zwi Migdal (rede de prostituição de judias, as ``polacas")? Lesser - O peso do Zwi Migdal foi bem menor do que eu de início acreditava. A prostituição já estava debilitada -muito em razão das pressões dos próprios judeus- quando, por volta de 1935, a questão judaica se tornou um tema importante na formulação de políticas públicas no Brasil. Há um outro fator: o poder da Swi Migdal foi maior quando a comunidade judaica era mais pobre, até por volta de 1932. Foi o Swi Migdal o grande promotor inicial da cultura judaica, trazendo grupos de teatro em iídiche. Folha - O diplomata brasileiro tinha muito poder para a concessão de vistos. Já que o Itamaraty estava dividido quanto à questão judaica, como é que essa divisão funcionou? Lesser - Havia os diplomatas ideológicos, que procuravam proteger a cultura brasileira contra os judeus, e outros -como Guimarães Rosa, em Hamburgo, e Souza Dantas, em Paris- que facilitavam as coisas. Folha - Quais são suas atuais pesquisas sobre imigração? Lesser - Estou com mais da metade de um livro concluído sobre a questão dos chineses, árabes e japoneses no Brasil a partir do final do século 19. Livro: O Brasil e a Questão Judaica Autor: Jeffrey Lesser Tradutor: Marisa Sanematsu Quanto: R$ 21,00 Texto Anterior: Monólogo apresenta amor homossexual Próximo Texto: Efeitos especiais vão "reviver" atores Índice |
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