São Paulo, sábado, 24 de junho de 1995
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Pregos e pregão

CARLOS HEITOR CONY

Mais por coincidência do que por destino, ocupo hoje uma sala que foi o último gabinete de trabalho de Juscelino Kubitschek aqui no Rio. Outro dia, mexendo em velhos papéis dos tempos em que o ajudei na edição de suas memórias, reli uma correspondência sua com investidores da área siderúrgica.
O capital estrangeiro fazia uma exigência: a instalação de alguns milhões de quilowatts a mais, só para atender a demanda da nova usina. Os técnicos nacionais sugeriram a venda de empresas estatais para custear o aumento da oferta de energia. O despacho final de JK foi curto e grosso: ``Não se vende patrimônio para custeio".
Em tempo: a usina foi construída, e, paralelamente, JK arranjou os quilowatts a mais que ela precisava sem torrar um tostão do Estado.
Durante a última campanha, FHC prometeu repetir JK. Até agora, seu governo não colocou um prego no patrimônio nacional. Pelo contrário: está tentando equilibrar contas, orçamentos e imagem como se o Brasil fosse a Suécia ou o Canadá, como se governasse um país pronto, com justiça social, boa distribuição de renda, com escolas, hospitais e estradas.
Pior: está vendendo patrimônio para custear goiabada e viagens do governo. Vender a Vale do Rio Doce, por exemplo, para pagar os especuladores que foram atraídos pelas vantagens do nosso cassino público fatalmente leva à pergunta: quem vai ganhar a comissão?
Por ora, a Vale não será vendida, não por falta de vontade dos neoliberais, mas pela incapacidade de se saber quanto vale a Vale. A caixinha eleitoral que atendeu a demanda do atual governo e se prepara para atender a próxima já pode alegar serviços prestados para garantir o neoliberalismo com ou sem FHC na Presidência.
Volto a JK. Ele não teve a pretensão de mexer no Estado. Aceitou as regras do jogo. Mas tantos pregos botou pelo país afora que criou realmente um novo Brasil. Já o atual governo, além de não querer nada com os pregos, promove o pregão que está leiloando o que não é dele.

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