São Paulo, quarta-feira, 28 de junho de 1995
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"Publicus X privatus"

Embora em português os termos sejam usados quase que indistintamente por todos -em especial no caso do governo-, muitas das línguas modernas diferenciam com clareza os conceitos de ``propaganda" e ``publicidade".
Em seu sentido lato, a propaganda pode ser definida como ``a exposição deliberadamente unilateral de argumentos para tentar convencer uma determinada audiência". Embora o homem venha-se valendo desse estratagema desde que aprendeu a falar, o termo ``propaganda" é relativamente moderno.
Surgiu em 1622, em latim, quando a Igreja Católica, em plena Contra-Reforma, criou a ``Congregatio de Propaganda Fide" (Colégio para a Propagação da Fé, no intuito de converter populações ao catolicismo). Já ``publicidade" relaciona-se ao latim ``publicus", significando mais ou menos ``relativo ou pertencente ao povo, à coletividade".
Em suma, ``propaganda" tem ou deveria ter uma acepção mais política, chegando a possuir, em algumas línguas, um claro sentido pejorativo. Quanto à ``publicidade", seria etimologicamente mais adequado se seu uso fosse reservado para designar mensagens de crucial interesse para a população, como vacinações em massa, informações acerca de como agir em casos de estado de calamidade pública etc.
O governo federal pretende gastar, em 95, R$ 10 milhões em uma campanha acerca do Plano Real. Trata-se de publicidade, em seu sentido mais elevado, ou propaganda, na acepção menos nobre?
A população realmente necessita de informações sobre como conviver com uma inflação baixa? Ou ela já o sabe fazer, e em muito melhores condições? É preciso ensinar ao consumidor que ele deve procurar o preço mais baixo e recusar juros extorsivos? Ou ele já o procura fazer em seu próprio interesse?
Por essas e outras fica a impressão de que o governo visa muito mais a fazer propaganda, ou seja, autopromover-se politicamente com verbas públicas quando é o primeiro a pregar a necessidade de austeridade. É feio, mas é um hábito muito comum no Brasil.
Talvez seja a assiduidade desse comportamento por parte das mais diversas autoridades brasileiras que tenha ajudado a apagar a distinção entre os termos ``publicidade" e ``propaganda" no país. Já é hora de estabelecer regras claras acerca do que o poder público pode ou não fazer sob a rubrica ``publicidade". Com isso ganhariam o Erário e os cidadãos, ou seja, o ``publicus", no seu mais elevado sentido latino.

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