São Paulo, quarta-feira, 28 de junho de 1995
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Dr. Alfonso Ortiz Tirado (2)

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Quando a economia mexicana entrou pelo brejo, o esforço do governo e da mídia que o bajula foi o de provar que o Brasil não era o México. A tese contou com meu entusiástico apoio: lembrei o estupor quando, criança, ouvia no rádio um cantor mexicano que os locutores apresentavam como o Dr. Alfonso Ortiz Tirado. Se não me engano, era dentista. Eu achava estranho: nossos artistas, mesmo os que eram doutores, apresentavam-se sem título: Mário Reis, Ary Barroso, Paulo Roberto, até o Renato Aragão é formado em direito e nunca ninguém se atreveu a chamá-lo de doutor.
Não tinha, então, nenhuma dúvida sobre nossas diferenças com o México. Mas tanto os neoliberais do governo e da mídia falavam a mesma coisa que comecei a suspeitar. Li ontem, na Primeira Página da Folha, que 0,3% da população mexicana detém 56% da riqueza nacional. E que a taxa de miséria absoluta cresceu 51% nos últimos anos.
Anos de neoliberalismo explícito, louvado e imitado pelos nossos neoliberais. Bem verdade que por lá as coisas engrossaram e o nível ideológico baixou. Irritados com a incompreensão dos adversários, os tucanos astecas deram de assassinar os calhordas que não se rendiam ao paraíso neoliberal.
Daí a argúcia com que FHC declarou nesta semana, a jornal italiano, que não se interessa em entrar no Primeiro Mundo. Afinal, o que marca a economia do mundo civilizado é a distribuição de renda menos selvagem. E a rotatividade de poder, que contraria tanto o PRI dos mexicanos, no governo há mais de 50 anos, como o PSDB do Serjão, que ameaça adotar figurino mais modesto e se contenta com apenas 20.
Como se vê, o México era diferente do Brasil quando o dr. Alfonso cantava ``Dime que Sí" no Cassino da Urca e o Mário Reis, também doutor, cantava ``Vamos Deixar de Intimidade", do Ary Barroso, igualmente doutor. Os dois títulos poderiam servir ao Brasil de hoje. O governo exige um ``dime que sí" de todos. O que restou da oposição prefere o vamos deixar de intimidade.

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