São Paulo, segunda-feira, 3 de julho de 1995
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Psicanálise (s)

WILSON DE CAMPOS VIEIRA

Psicopatologia das Relações Amorosas
Otto F. Kernberg Tradução: Maria Adriano Veríssimo Veronese Artes Médicas, 190 págs. R$ 33,00

Kernberg é o psicanalista que mais procurou unir as diferentes escolas. Atuando nos EUA, assimilou a teoria estrutural-evolutiva de Edith Jacobson. Mas, baseando-se em Fairbairn, inverteu a ordenação freudiana, que Jacobson seguia, ao colocar os impulsos -libidinal e agressivo- como secundários, derivados da organização de afetos inerentes, desde o início, às relações objetais. Quanto ao conteúdo dos afetos (e defesas) primitivos, fica com Melanie Klein, a qual, por outro lado, critica pela falta de uma teoria estrutural (que Jacobson tem). Combinando Klein e Jacobson, procurou dar conta dos casos fronteiriços e narcisistas, acentuando neste livro a patologia da vida amorosa.
Os mecanismos que, em Klein, caracterizam uma posição psicótica passam, em Kernberg, a caracterizar os casos fronteiriços e narcisistas, enquanto que a psicose propriamente dita recebe a explicação de Jacobson da dissolução simbiótica das fronteiras entre as representações do ``self" e as representações de objeto.
Quando se dirige à formação dos gêneros, ao desenvolvimento sexual e ao ``amor maduro", a referência é francesa, Denise Braunschweig e Michel Fain (que escrevem em conjunto). Vem daí igualmente boa parte do livro sobre a oposição de natureza entre o casal apaixonado e os grupos, assim como a noção de que o amor só se mantém se não é ativo o tempo todo, quer dizer, se há quebras em sua continuidade.
No geral, a fatia pré-edipiana fica com Jacobson e Klein e a fatia edipiana com Braunschweig e Fain. Nas inevitáveis intersecções, o conflito é evitado pelo recurso sempre fácil aos mecanismos de condensação e integração. Por exemplo (pág. 76), que a inveja do pênis na mulher venha da inveja do seio materno (Klein) condensada com o não-reconhecimento pela mãe da vagina da filha (Fain).
Ocorre que as duas concepções têm fundamentos opostos. Fain, um dos pilares da psicossomática contemporânea, reconheceu a importância das capacidades e possibilidades representativas dos indivíduos, numa teoria quase dedutiva a partir estritamente da metapsicologia freudiana, notadamente a concepção econômica do trauma. As estruturas não edipianas (correspondentes aos fronteiriços e narcisistas de Kernberg) são provenientes de siderações mentais, decorrentes de traumas antigos e recentes, levando a uma limitação representativa -o oposto do arcabouço teórico de Kernberg que, em seu enquadramento geral, herdou o ``horror ao vácuo" kleiniano, povoando a mente de qualquer indivíduo com os mais variados objetos e todas as combinações possíveis, numa capacidade representativa ilimitada.
Feitas essas ressalvas, o livro vale por apresentar, em muitos momentos, mais próximo de sua complexidade, os problemas do amor e da vida do casal, sem os simplismos das explicações pelas projeções mútuas ou pela exclusividade de árvores genealógicas acima das experiências individuais. Vale ainda por desenvolver que o amor, para existir, deve necessariamente vencer barreiras dirigidas contra ele, internas e externas. Por dizer com todas as palavras (na sequência de Stoller), e verificar a aplicação, que a excitação sexual compreende a agressão (o que Freud deixou num plano abstrato). Assim como pelos desenvolvimentos originais de um superego do casal e pelo aprofundamento das relações de conflito, levantadas por Braunschweig e Fain, entre o casal apaixonado e os grupos, determinados ou difusos, derivados do período de latência e adolescência.

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