São Paulo, segunda-feira, 3 de julho de 1995
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Câmbio extático

Num de seus inúmeros pronunciamentos comemorativos do aniversário do real, o presidente Fernando Henrique Cardoso mais uma vez recorreu ao argumento sedutor da valorização do real frente ao dólar. A opinião entre economistas e empresários, entretanto, é praticamente consensual: este encanto é perigoso. Se prolongado, o feitiço pode virar contra o feiticeiro.
Já não se pode dizer que o governo simplesmente aposte na permanência indefinida do câmbio artificialmente favorável ao real. Estão aí os déficits comerciais, as elevações de tarifas, a imposição de quotas e inúmeras declarações oficiais garantindo que, ao contrário do ano passado, nem mesmo o governo acredita seriamente na longevidade da âncora cambial.
Mas o ministro Pedro Malan admitiu também, na semana passada, que se houvesse a devida correção da taxa de câmbio, o Plano Real iria para o espaço. Nem câmbio fixo, nem câmbio livre, a aposta do governo concentra-se num modelo de câmbio suavemente deslizante.
Na primeira semana da nova banda cambial, entretanto, as taxas não apenas ficaram onde estavam como houve até intervenção do Banco Central para evitar que o dólar se desvalorizasse ainda mais.
Talvez se pudesse imaginar que, por trás da valorização do real, há uma ininterrupta e segura entrada de capitais. Mas o mês de junho desmente essa hipótese: houve enorme instabilidade nos fluxos diários, tanto no financeiro quanto no comercial. Os mercados apostaram numa mudança da banda e das taxas. A banda mudou, mas o BC seguiu tocando a mesma música.
Supõe-se que o governo tenha esperado o anúncio da desindexação para iniciar o deslizamento do câmbio. E talvez espere ainda mais, domando os mercados com o uso do poder que resulta da manutenção de juros estratosféricos.
É uma aposta perigosa, que talvez a embriaguez de um sucesso ainda frágil explique.
Diante de um fenômeno tão sibilino quanto o câmbio, a estática hipnotiza, mas, nessa área, os botes costumam ser frequentes. E fatais.

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