São Paulo, quarta-feira, 5 de julho de 1995
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Traia, não ame

JANIO DE FREITAS

O desejo do presidente Fernando Henrique de ver afastados do PSDB os que votem contra propostas do governo tem, à primeira vista, relação direta com o velho problema da fidelidade partidária. Mas só à primeira vista.
A fidelidade partidária, que muitos vêem como solução para a bagunça que são as bancadas partidárias no Congresso, só pode ser entendida como a obrigação do parlamentar de ser coerente, nas votações, com as diretrizes fixadas no programa do seu partido. Essas diretrizes são, teoricamente, a razão de ser de um partido.
No mês passado, porém, o próprio líder do PSDB na Câmara, José Aníbal, alertava de público para a necessidade de que os peessedebistas refizessem o seu programa partidário, por ser tudo o oposto do que o governo de Fernando Henrique tem feito e propõe. A começar de que o programa exige absoluta prioridade ao ataque amplo às desigualdades sociais e vai até à defesa explícita dos monopólios do petróleo, das telecomunicações e outros. Não há como enquadrar no programa do PSDB as emendas constitucionais propostas pelo governo, nem suas políticas para os salários, juros, câmbio, educação, saúde, transportes, funcionalismo, e vai por aí.
Logo, se Fernando Henrique não adota em seu governo o programa do seu partido e deseja a exclusão dos peessedebistas contrários às propostas do governo, o que está exigindo dos correligionários não é a fidelidade, mas a infidelidade partidária. Ou a generalização, no PSDB, da fórmula antes apenas pessoal: ``esqueçam o que escrevi". Com o resultado de nova formulação, mas sem alterar a finalidade, do ``ame-o ou deixe-o", reformado, como é da moda, para ``traia-o ou deixe-o".

Os impagáveis
O presidente e o ministro Nelson Jobim, da Justiça, mandaram ao Congresso um projeto que propõe a indisponibilidade de todos os bens das famílias de sequestrados. E autoriza as mesmas famílias a pagarem por informações que desvendem o sequestro. Mas pagar como, se não poderão dispor nem das contas bancárias, nem das poupanças?
O presidente pergunta, com a conhecida finura, se ``será que para ser de esquerda é preciso ser burro". Talvez sim. Mas, com frequência, é forçoso supor que, mesmo em caso afirmativo, aquela condição não é exclusividade da esquerda.

Justiça
O que se lamenta nos altos tribunais compensa-se na primeira instância da Justiça, onde ainda se encontram independência, coragem e integridade a granel.
Na semana passada, a juíza Vera de Oliveira Cruz, da 9ª Vara Federal em Brasília, anulou a concessão da ponte Rio-Niterói, por ter a empreiteira Andrade Gutierrez adulterado os dados sobre o tráfego em sua proposta vencedora (a adulteração foi aqui publicada antes ainda da concessão). Agora, susta o desastrado e desastroso projeto Sivam, o da alegada vigilância da Amazônia, em cuja concorrência uma das vencedoras, a Esca, apresentou certidão falsa de quitação com o INSS.
A última palavra, como sempre, será dos altos tribunais. Não faz mal. As sentenças de Vera de Oliveira Cruz bastam para desindexar a alma.

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