São Paulo, quarta-feira, 5 de julho de 1995
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Livre mercado: melhor rota para superinfovia

BILL GATES
ESPECIAL PARA A FOLHA

A aprovação de um projeto de lei de desregulamentação das telecomunicações pelo Senado norte-americano, em junho, é um passo rumo à legalização de uma coisa que é tão comentada -e praticamente tida como certa- que muitas pessoas sequer se dão conta de que ela ainda é, em grande parte, proibida.
O projeto, se conciliado com medida semelhante que a Câmara dos Deputados deverá aprovar, vai permitir a construção da superinfovia nos Estados Unidos.
Espero que outros países adotem medidas semelhantes nos próximos anos.
A superinfovia é uma rede de comunicações de alta potência que deverá conectar casas e escritórios ao longo da próxima década. Essa rede vai transformar nossas maneiras de trabalhar, de consumir e aprender -desde que os legisladores permitam que ela seja construída e operada.
Sob as leis e regulamentações dos EUA e de muitos outros países, as empresas não podem competir para conectar você a uma rede capaz de fornecer informação, entretenimento e comunicação.
Na realidade, a Grã-Bretanha é um dos poucos lugares nos quais a superinfovia não é contra a lei: lá, as empresas de cabo e de telefonia já passaram pelo processo de desregulamentação.
Na maioria dos países, os consumidores são atendidos por monopólios regulamentados. Uma companhia telefônica fornece conexões para voz, fax e modem; uma companhia de cabo fornece programação de vídeo e, em alguns casos, de áudio.
As justificativas para os monopólios controlados pelo governo foram concebidas décadas atrás, muito antes de ouvirmos falar do termo superinfovia.
Mas estamos em 1995 e é preciso louvar os legisladores por tentarem afrouxar a camisa-de-força regulamentadora. A menos que as empresas de cabo e de telefonia tenham permissão para competir livremente entre si, não se sabe com que velocidade farão os investimentos necessários para levar a superinfovia à porta da casa dos consumidores de todo o mundo.
A regulamentação da economia pelo governo é um negócio complicado. A centralização do processo de tomada de decisões é terrivelmente ineficiente em comparação com o livre mercado. Não importa quão bem-intencionado seja o controle governamental, é quase inevitável que ele proteja algumas poucas companhias e atrapalhe todos os demais interessados -especialmente os consumidores.
O mercado livre é a melhor alternativa. Fornece os produtos e serviços que os consumidores apóiam com suas compras e recompensa as empresas por suas inovações e sua qualidade de atendimento.
Quando cabe ao mercado decidir que companhias e estratégias vão ganhar ou perder, ocorre a exploração simultânea de muitos caminhos, em lugar de um caminho único apontado pelos legisladores.
Antes da desregulamentação das companhias aéreas norte-americanas, em 1978, todas as rotas e tarifas eram definidas pelo governo. As companhias aéreas não perdiam dinheiro: o governo cuidava disso. A competição entre as transportadoras era cordial e as ofertas eram raras.
Depois da desregulamentação, dezenas de companhias tentaram inúmeras estratégias para ganhar a preferência do consumidor. A competição realocou recursos econômicos, dando aos consumidores o que as compras de passagens indicavam que eles queriam: serviço abundante e tarifas baixas.
Outros países tomaram nota dessa experiência extraordinariamente bem-sucedida.
O livre mercado é mais importante do que nunca nos casos em que o nível de demanda por um produto ou serviço é desconhecido.
Os responsáveis pela formulação de políticas oficiais não têm como alocar recursos quando ninguém sabe quanto os consumidores querem de alguma coisa.
Muitos fracassam, mas o público tem a oportunidade coletiva de escolher os vencedores e de conseguir o que quer.
O mercado decide se determinadas empresas ou iniciativas devem deixar de existir e de consumir recursos da sociedade. Os empregados migram das empresas perdedoras para as vencedoras.
Pode parecer darwinismo frio mas, especialmente em áreas de inovação tecnológica, a seleção natural distribui os recursos econômicos de maneira muito mais eficiente do que qualquer forma de planejamento centralizado.
Os serviços on line, precursores da superinfovia, constituem um caso clássico de demanda desconhecida.
Só 16% das residências dos EUA têm computadores pessoais equipados com modem. Menos da metade dessas residências assinam serviços comerciais.
Na Europa, onde há 42 milhões de computadores pessoais, o principal serviço on line, a CompuServe, tem apenas 300 mil assinantes, aproximadamente.
Existe demanda potencial maior para os serviços on line? Acredito que sim, se os preços baixarem e a variedade de informação disponível crescer.
Mas não existe absolutamente nenhuma prova disso. Aqueles entre nós que estão investindo no setor precisam esperar o julgamento desse mercado.
Um problema enfrentado pelos legisladores é definir se o governo deve ou não impor padrões técnicos às comunicações digitais.
Não se trata de saber se devem existir padrões. A questão é saber se tais padrões devem ser impostos pelo governo ou devem emergir do próprio mercado.
À primeira vista, a imposição de padrões técnicos parece uma boa idéia. Não seria melhor para todo mundo se os legisladores exigissem que todas as redes de computador fossem interoperáveis, capazes de se comunicar umas com as outras?
Na verdade, não. A longo prazo, todos sairiam perdendo, exceto as empresas que seriam protegidas da competição por essa regulamentação.
As indústrias de computadores e programas se desenvolveram nos últimos 20 anos justamente porque havia pouca regulamentação em relação a padrões técnicos.
A consequente competição livre no ramo possibilitou incrível inovação.
O mercado produziu padrões que, na prática, forneceram interoperabilidade entre os computadores e não atrapalharam o caminho dessa evolução acelerada.
Com isso, a indústria dos computadores pessoais passou a ser um modelo de indústria em que há ausência de regulamentação e que é capaz de desenvolver tecnologia inovadora e fornecer mais oportunidades de escolha e preços mais baixos aos consumidores.
Se o Congresso norte-americano tivesse determinado que, no interesse da interoperabilidade, todos os computadores pessoais tivessem de usar os mesmos padrões técnicos dos computadores centrais de grande porte, teria protegido os fabricantes desses computadores das forças incrivelmente competitivas que levaram os computadores pessoais a níveis de desempenho assombrosos.
Mas os consumidores teriam sido grandes perdedores.
Quando o mercado define padrões, esses não ficam perpetuamente congelados. Buscando superar os padrões existentes, os competidores são incentivados a inovar.
É um grande sistema chamado capitalismo. Precisamos de mais capitalismo, não menos.

Cartas para Bill Gates, datilografadas em inglês, devem ser enviadas à Folha, caderno Informática -al. Barão de Limeira, 425, 4º andar, CEP 01202-900, São Paulo, SP- ou pelo fax (011) 223-1644. A correspondência pode ser enviada a Bill Gates no endereço eletrônico askbill@microsoft.com.

Tradução de LUCIA BOLDRINI

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