São Paulo, quinta-feira, 6 de julho de 1995
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Tio Dave responde cartas de leitores

DAVID DREW ZINGG
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Passei a última semana tentando fazer uma limpeza geral na minha casa. É um trabalho de Sísifo (você deve lembrar-se dele, Joãozinho: aquele cara que empurrava uma pedra enorme morro acima e cada vez que chegava no alto ela rolava para baixo outra vez. Ou seja, um trabalho que não acaba nunca).
Minha casa vive repleta de pilhas de fotos e papéis. Os papéis se dividem entre recortes de jornais que alguns leitores atenciosos me enviam e cartas. As cartas ficam sem resposta. Em primeiro lugar, porque não tenho tempo para respondê-las, e em segundo porque a Folha não provê seus colunistas de secretária particular.
Então aqui vão algumas cartas mal-educadas que eu gostaria de enviar durante o próximo ano, em resposta às missivas passadas e presentes que me chegam:
Caro sr. Soto:
Recebi o exemplar do livro que o senhor me enviou, com um pedido de que eu o lesse e fizesse um comentário. Joguei o livro fora. Por que cargas-d'água eu deveria passar alguns dias lendo um livro que sequer escolhi eu mesmo? Não tenho tempo nem para ler um livro que eu esteja querendo ler.
Cara srta. Barbosa:
Não, não tenho uma foto de mim para assinar e enviar a você. Quando você me pede um autógrafo, me faz pensar que sou importante, e eu não gosto disso. Vá colecionar fotos de artistas.
Cara srta. Adams, caro sr. Ortiz:
Esta é a segunda (ou décima) vez que o sr. (srta.) me escreve falando de seu bar (ou restaurante). Se é tão bom quanto o sr. (srta.) afirma, meus amigos de copo certamente já teriam chamado minha atenção. Nunca ouvi NINGUÉM mencionar seu estabelecimento, para bem ou para mal. O sr. (srta.) parece estar vivendo em alguma espécie de buraco negro. Se manca, tá?
Caros ...:
Fiquei sinceramente comovido com sua carta me oferecendo um cartão de crédito adicional. Mas, quando pensei melhor, me pareceu que não passa de uma maneira astuta de vocês retirarem mais um pouquinho do meu fluxo de caixa, que já é pequeno. Por que seu cartão de crédito seria melhor que os que já tenho? Me façam um favor, tá bom? Não fiquem me enviando ofertas das coisas que posso comprar. A única coisa que quero ver no fim do mês são as más notícias que acompanham meu extrato bancário.
Caro gerente de vendas do cemitério:
Acho que vou recusar sua generosa oferta de comprar um lote para sediar meu próprio túmulo, por módicas prestações de apenas R$ 440. Ainda não estou com pressa de morrer. Se precisasse morrer logo, eu poderia usar a mesma quantia para comprar um carro barato e ir ao encontro do meu criador no trânsito. Também acredito que sairia mais barato ser cremado, mesmo que alugasse um helicóptero para espalhar minhas cinzas sobre a casa da minha namorada.
Caro Proprietário de Boate:
Foi muito atencioso de sua parte enviar um formulário para eu preencher e me tornar sócio de seu conhecido ponto de encontro. Foi só quando cheguei no final da segunda página que percebi quanto eu teria que pagar pelo intercâmbio social com os sócios. O sr. descreve essas pessoas como ``formadoras de opinião" e ``criadoras de tendências". Se são as mesmas pessoas sobre as quais costumo ler em certas revistas da sociedade, acho que prefiro economizar o dinheiro e beber sozinho em casa.

Coisas verdadeiras
Tenho um amigo chamado Andy Rooney. Não, não é o ator baixinho. É um jornalista branco que escreve uma coluna de jornal repleta de ditos e sermões sobre as coisas simples e normais que compõem uma vida simples e normal.
Certa vez, Andy compilou uma lista de coisas que, pelo (muito) que ele sabe, são verdadeiras:
- Pessoas ricas que não têm dinheiro continuam agindo como se fossem ricas.
- Se você diz que uma pessoa é ``sincera", é uma observação sacana -na realidade você quer dizer que ela está errada mas que a intenção foi boa.
- As pessoas que têm razão em geral não o afirmam em tão alto e bom som quanto as que não têm.
- Alguns lagos contém mais pescadores do que peixes.
- Jogar uma coisa na lata de lixo é uma coisa satisfatória de se fazer.
- Qualquer pessoa que sai para comprar uma corrente de ouro depois de assistir a um comercial de corrente de ouro na TV é tão burra que nem adianta tentar ajudar.
- As pessoas interessantes gostam mais de ficar sozinhas que as chatas.
- Não importa o tamanho da mala, ela é sempre pequena para o que se tenta enfiar dentro.
- As pessoas que tiram férias em agosto se sentem superiores às que tiram férias em julho.
- É surpreendente quantas coisas divertidas de fazer são tão perigosas que você não deveria fazê-las.
- Hoje em dia, não se vê mais homens riscando fósforos no traseiro das calças.
- Quando uma pessoa fala a todo momento ``sabe o que eu quero dizer?", é porque ela mesma não sabe o que quer dizer.
Sabe o que eu quero dizer?

Ed Wood
Falar sobre o filme fantástico e estranho de Tim Burton depois que ele saiu de exibição aqui em Sampa significa ter sido completamente tomado pelo espírito do ``pior diretor de cinema de todos os tempos", Ed Wood.
Edward D. Wood, Jr., era o homem ao qual as pessoas se referiam quando usavam a frase ``um perdedor nato". Tim Burton, um cineasta mais que competente, fez um filme que também é um perdedor nato. Mas esse fato não é culpa de Burton. Ele fez um filme que exige espectadores sensíveis.
No atual momento que vivemos, não há muitos espectadores desse tipo disponíveis em São Paulo. Assisti ao filme com uma multidão de cinco outras pessoas no enorme e vazio cine Gazeta.
Quando o filme terminou, os sobreviventes tinham o ar de quem sobreviveu à queda de uma bomba. Eu me lembrei da cena no filme ``Bandwagon" quando o show é um fracasso total na pré-estréia.
A platéia sai do cinema devagar, ao som de uma marcha fúnebre. Apesar disso, o filme é um dos mais cômicos e não-afetados retratos de devoção ao mundo do cinema jamais produzido.
Martin Landau recebeu um Oscar por sua participação, no papel do envelhecido e viciado mestre húngaro do horror, Bela Lugosi.
Há uma cena memorável em que Ed Wood encontra Orson Welles, sua alga gêmea em termos de devoção apaixonada ao cinema, em meu bar favorito em Hollywood, o Musso and Frank.
Parafraseando Dorothy Parker, é preciso muito dinheiro para se fazer um filme que parece tão barato quanto este. Provavelmente, não vai estar nos cinemas locais no futuro próximo. Seja paciente e tente encontrar um vídeo.
É um dos maiores filmes de todos os tempos sobre Hollywood, a Cidade do Brilho.

Drinque solidificado
Se você realmente quer ver o que está bebendo, talvez se interesse por uma mistura que estão servindo no Merc Bar, de Nova York, capaz de alegrar qualquer engenheiro de construções.
Experimente o drinque você mesmo -é conhecido por Cement Mixer (Misturador de Cimento). O barman despeja direto na boca do freguês um misto de Bailey's Irish Cream e Rose's Lime Juice (suco de limão). O feliz garoto o cospe de volta para um copinho vazio, onde se solidifica em segundos...

Tradução de Clara Allain

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