São Paulo, quinta-feira, 6 de julho de 1995
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Acadêmicos rejeitam hipótese de plágio

DA REPORTAGEM LOCAL

Mesmo antes de seu lançamento, o livro ``A Imitação dos Sentidos", do professor Leopoldo Bernucci, 42, causa polêmica no meio acadêmico.
O livro, que foi apresentado em reportagem da ``Ilustrada" publicada na última sexta-feira, traz manuscrito inédito de ``Os Sertões" (1902), de Euclides da Cunha (1866-1909).
Bernucci diz que o escritor amenizou críticas ao Exército, manipulou datas e figuras reais e copiou jornais e outros autores em sua obra sobre a guerra de Canudos -episódio em que o governo federal ordenou a destruição da comunidade fundada por Antônio Conselheiro em 1897.
Roberto Ventura, 38, professor de Teoria Literária da USP, que está escrevendo uma biografia do escritor, ressalta que ``é muito difícil comentar um livro a partir da reportagem, mas não concordo com quase tudo".
Para ele, ``a reportagem tem um tratamento sensacionalista e desloca a questão central, o tratamento estilístico e interpretativo que Euclides fez das fontes".
Ele lembra que a polêmica sobre a originalidade de ``Os Sertões" é antiga e pouco importante.
``Euclides só viu 20 dias de uma guerra que durou quase um ano. E teve que reconstituir o resto. É claro que usou outras fontes, como diários de expedições, entrevistas com participantes e reportagens em jornais", explica.
``Nos anos 50, o historiador baiano José Calazans, o maior especialista em Canudos, mostrou que Euclides incorporava outras fontes. Isso não tira seu mérito. Por que se lê `Os Sertões' e não as outras fontes?"
Ventura afirma que o mérito de ``A Imitação dos Sentidos" é trazer a transcrição completa do manuscrito inédito. Ele rejeita, entretanto, a explicação para a supressão de ``Os Sertões" de um trecho criticando um coronel porque isso comprometeria as relações de Euclides com os militares.
``O texto foi suprimido porque era ruim. Era muito direto e excessivamente simplista. `Os Sertões' é a crítica mais contundente ao Exército já feita no Brasil", diz.
Ele também critica o comentário de que ``Os Sertões" foi escrito às pressas. ``Ele demorou quatro anos para ser feito", afirma.
Lilia Moritz Schwarcz, 37, do departamento de antropologia da USP, menospreza a acusação de plágio.
``No Brasil temos a mania de discutir a cópia ou a não-cópia. Essa é uma falsa questão. Todo mundo copia. Mas ninguém copia tudo. A cópia segue uma seleção e uma reutilização", afirma.
Muniz Sodré, 53, professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, também acredita que a discussão sobre a cópia é irrelevante.
``O que foi apresentado na reportagem não me parece suficiente para caracterizar plágio. Mesmo assim, o que importa não é a frase, a descrição ou tema que foi pego. E sim o todo. O que faz de `Os Sertões' uma obra literária forte é a intervenção que Euclides faz da língua portuguesa no sertão nordestino."
Ele diz que, se ``Os Sertões" fosse considerado plágio, ``Grande Sertão Veredas", de Guimarães Rosa, também seria, já que o enredo foi tirado de um texto medieval, ``A Mal Maridada".

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