São Paulo, quinta-feira, 6 de julho de 1995 |
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Apesar de crises, país é Brasil que deu certo
CLÓVIS ROSSI
Como o Brasil, a Espanha viveu um prolongado período autoritário, mas dele emergiu de uma maneira tão pacífica como o Brasil e muito mais organizada, ainda mais se considerados os antecedentes. Ao contrário do Brasil, em que o autoritarismo do período 1964/85 nasceu de um golpe militar clássico, a ditadura espanhola instalou-se ao terminar uma guerra civil (entre 1936 e 39) que causou um milhão de mortes e partiu o país em dois. Os vencedores (conservadores de vários matizes, integristas católicos, fascistas locais e monarquistas) instalaram-se no poder sob o comando de ferro do generalíssimo Francisco Franco Bahamonde. Os derrotados (comunistas, anarquistas, socialistas, republicanos e liberais) foram para o exílio, para a clandestinidade ou para a morte pura e simplesmente até com o uso do garrote vil, instrumento medieval de punição. A ditadura franquista só terminou com a morte do próprio Franco, em novembro de 1975. Apesar de o ditador assegurar sempre que ``estaba todo atado y bien atado", referindo-se ao nó institucional franquista, a morte de Franco desamarrou tudo. Em junho de 1977, a Espanha realizava as primeiras eleições livres depois de 40 anos. A partir daí, conduziu uma transição suave e segura, sob o comando dos conservadores Adolfo Suárez e Leopoldo Calvo Sotelo. Tão suave que, em 82, foi possível, sem traumas, a eleição do socialista, Felipe González, para o cargo de presidente do Governo, nome oficial do posto que, na verdade, é o de primeiro-ministro. Durante a ditadura, González era ``Isidoro", codinome que usava no período em que seu centenário PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) estava condenado à clandestinidade. Mas o mérito da transição pacífica não pertence só aos políticos. O rei Juan Carlos teve nela um papel decisivo. Primeiro, na colaboração para desatar os nós franquistas, supostamente bem atados. Depois, na rápida e contundente reação a uma tentativa de golpe de Estado, praticada em 1981 por um coronel inconformado com a democracia restaurada pouco antes. Foi graças à restauração democrática que a Espanha pôde participar da Comunidade Européia, o clube dos países mais avançados da Europa, hoje com 15 membros. E o engajamento europeu ajudou imensamente no ``boom" econômico que a Espanha viveu a partir de então. Hoje, no entanto, a situação é menos rósea. O PSOE, ainda no poder, está acossado por uma chuva de denúncias que vão de corrupção até escuta clandestina praticada pelo serviço secreto. Uma das vítimas, suspeita-se, foi o próprio rei Juan Carlos. Na semana passada, caíram dois dos principais auxiliares do premiê, o vice-primeiro-ministro Narcís Serra e o ministro da Defesa, Julián Garcia Vargas. Por isso, o turista brasileiro que se dedicar a ler jornais espanhóis vai ficar com a sensação de que o país está imerso em uma enorme crise. Os espanhóis podem até concordar, mas será por desconhecimento de como a transição brasileira foi muito mais turbulenta, em especial na economia. Tanto que Espanha e Brasil têm economias similares, na altura dos US$ 500 bilhões de produção anual de riquezas (o PIB, Produto Interno Bruto). Mas, como a população espanhola é cerca de quatro vezes menor, cada espanhol é, em tese, quatro vezes mais rico do que cada brasileiro. Texto Anterior: Mostras analisam presença árabe na região Próximo Texto: Tânger recusa todas as miragens da Europa Índice |
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