São Paulo, segunda-feira, 10 de julho de 1995
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Immanuel Kant é coisa nossa

LUÍS NASSIF

Pelas evidências colhidas nos últimos dias, não há a menor sombra de dúvida de que não foi Portugal quem colonizou o Brasil. Pela objetividade das discussões, pelo rigor kantiano da análise, a polêmica sobre se o Brasil já está ou ainda vai entrar em recessão é a prova definitiva de que viceja nos trópicos uma filha autêntica do racionalismo germânico.
Na semana passada, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, deu o mote, e o presidente da República repisou. ``Só se pode falar em recessão se o PIB cair continuamente durante três meses seguidos", confirmou o escrivão keynesiano.
``Só porque tem-se os mais altos índices de inadimplência, falências e concordatas da história, não se pode falar que o país já esteja em recessão, porque o PIB não caiu por três meses seguidos", concorda o tabelião neoliberal. E os mortos e quebrados respiraram aliviados, porque não estamos oficialmente em recessão. Extraordinário!
Por mais que nossos economistas oficiais sejam criativos, ninguém produz recessão completa em dois meses. Para usar termo caro aos economistas, a economia é como um transatlântico que se move lentamente.
Medidas adotadas agora só vão interferir em sua rota quilômetros adiante. Se se percebe um iceberg na rota, o desvio tem que ser providenciado quilômetros antes, para dar tempo do navio se safar.
Está-se numa clara rota recessiva, na qual o navio caminha de maneira muito rápida. Produziu índices recordes de quebradeiras em poucos meses, e agora vai começar a influir, também rapidamente, nos índices de emprego. Quanto mais rápido o processo, mais aprofundado vai ser, e mais difícil sua reversão mais adiante.
Portanto, a discussão relevante não é ficar nessa firula de tentar adivinhar o dia em que a recessão estará tecnicamente configurada. Já se tem o ambiente recessivo plantado.
O que importa é discutir quanto mais se terá de recessão -ou seja, de número de desempregados e de empresas quebradas-, a cada dia que o governo postergar medidas de ajuste.

Desastre anunciado
Em setembro do ano passado, analistas como o deputado Delfim Netto começaram a prevenir que a política cambial e a abertura indiscriminada arrebentariam a balança comercial brasileira. Mas como podia alguém dizer isso, de um país que produzia superávits comerciais mensais da ordem de US$ 1 bilhão? É a mesma lógica do atual onanismo mental sobre a recessão.
Enquanto o establishment econômico brasileiro -incluído aí o jornalismo econômico, como caixa de ressonância- não entender adequadamente relações de causa e efeito na economia, e não desenvolver formas eficientes de antecipar cenários econômicos, vai-se continuar chorando eternamente sobre o leite derramado -como se as crises surgissem do nada, pela mão do demo.

Justamente isso
Recentemente, o Ministério da Fazenda produziu trabalho onde mostra que os índices de quebradeira já vinham crescendo antes do aperto do crédito em abril, logo não poderiam ser atribuídos à política monetária. Era justamente o que a coluna alegava no início de maio, quando começou a criticar o excessivo rigor da política monetária.
Equivale ao médico que receita banho de água gelada ao paciente acometido por pneumonia dupla, e isenta-se de sua piora porque, mesmo antes do banho, ela já estava adoentado.

Brasil musical
Por questão de justiça, esta coluna, que sempre foi crítica em relação ao ex-presidente do Banco do Brasil, Alcir Calliari, não pode deixar de reconhecer.
O apoio dado pelo banco ao projeto ``Brasil Musical", em sua gestão, foi das iniciativas culturais mais relevantes dos últimos anos. Permitiu o mapeamento da mais criativa música instrumental do planeta. De lambuja, a descoberta de que o maior músico brasileiro da atualidade chama-se Armandinho, o primeiro a reescrever o bandolim, depois de Jacob.
Falta, agora, o banco descobrir que música popular é o maior produto de exportação do país e montar um programa de promoção comercial no exterior, valendo-se de sua extensa rede de agências internacionais.

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