São Paulo, quarta-feira, 12 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Os donos da inteligência

JANIO DE FREITAS

Ou a inteligência e seu oposto não estão onde o presidente Fernando Henrique os supõe, ou o desprezo do governo pela Constituição é deliberado e vai muito além dos declarados propósitos reformistas. Mas não é necessária a escolha entre as duas hipóteses: o mais recomendável é conciliar as duas.
O governo não sabia que sua medida provisória de desindexação dos salários é inconciliável com a Constituição, como até o Supremo Tribunal Federal, tão pouco afeito a reconhecer o caráter discricionário dos planos econômicos, agora ousou fazê-lo? É impossível crer que não soubesse. Que os ministros-economistas o ignorassem, não seria novidade. Mas todos têm assessores jurídicos, o presidente os tem diretos e indiretos, e nem a duvidosa competência dessas pessoas leva a crer que até a obviedade lhes escape.
``Não há inconstitucionalidade nenhuma, tudo na MP está certo", foi a reação de Fernando Henrique a uma pergunta sobre os recursos da oposição ao STF, aqui dispensadas as referências a desejos de atrapalhar e aos dotes mentais dos oposicionistas. Se elaborou a MP sem consultar a assessoria jurídica, obedecendo só à pretensão autoritária, o governo abriu um risco desinteligente. Se a consultou, mas não a ouviu, não se mostrou menos íntimo do território intelectual que atribui à oposição.
O problema resultante dessa topada vai além da supressão ou substituição dos trechos da MP declarados inconstitucionais. Já questionada pelas várias correntes sindicais e malvista por todos os que não vivem de bajular governantes, a MP sofreu um impacto gravemente desmoralizante com a decisão do STF. As dificuldades que o governo já teria para conter atitudes empresariais como a atribuída à Volkswagen, de adotar o proibido gatilho para corrigir salários a cada 6,44% de inflação, transformaram-se em obstáculo só comparável por meios ilegítimos. Ou seja, a agir com a inteligência de que se pretende detentor exclusivo, o governo tem que repensar toda a sua intenção de política salarial e, com ela, a suposta desindexação.
A atitude atribuída à Volkswagen pode ser, mais do que advertência, base para reflexões. Note-se, a propósito, que o percentual que ela teria adotado vai até um pouco além da proposta de gatilho aos 6% de inflação, apresentada na Câmara pelo deputado Paulo Paim. A similaridade vai ter influência entre os parlamentares. Mas conviria que tivesse também sobre os representantes do governo no jornalismo. Eles sabem que é falso, desonesto portanto, o seu argumento contra a proposta de Paim, já ontem utilizado também contra a decisão atribuída à Volkswagen.
Dizem esses chapas-oficiais que os 6%, e agora os discutidos 6,44% da Volks, resultam em igual aumento da inflação, por seu repasse aos preços, e criam uma bola-de-neve que levará ao fim do Plano Real. Eles sabem que não é assim, sabem que o aumento é apenas sobre a parcela correspondente ao custo da mão-de-obra. Vejamos o que isso significa em termos reais.
A mão-de-obra fica em torno de 5% médios nas montadoras de carros. Em um carro de R$ 20 mil, fica em R$ 1 mil. Os 6,44% de correção automática, aplicados à mão-de-obra, representam acréscimo da insignificância de R$ 64,40 no carro. E não de 6% de R$ 20 mil, ou R$ 1.200. Mesmo que a indústria queira repassar ao preço os R$ 64,40, o acréscimo será imperceptível, sem qualquer influência inflacionária.
Os chapas-brancas do jornalismo não precisam inflacionar a sua desonestidade, que já têm disseminado muito mal mesmo nas proporções habituais.

Texto Anterior: Light exigirá dinheiro vivo
Próximo Texto: Rompido sigilo bancário do governo Orestes Quércia
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.