São Paulo, quarta-feira, 12 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O BB e a inadimplência

LUÍS NASSIF

Funcionário do Banco do Brasil que trabalha na linha de frente, na renegociação das dívidas de inadimplentes, entra em contato com a coluna para apresentar alguns números curiosos sobre o jogo de cintura da instituição.
Bancos mais ágeis saíram na frente, facilitando a renegociação de dívidas de clientes inadimplentes -oferecendo prazos de 12 meses, TR mais 1% a 2% ao mês no máximo.
Como sabiam que a crise de inadimplência não se prendia a nenhuma epidemia de calote, mas a uma situação conjuntural, e que a maior parte dos clientes devia a mais que uma instituição, trataram de facilitar a renegociação, abrir mão de parte dos ganhos, para não perder cliente e recuperar parte do crédito.
Mas o BB -segundo esse funcionário angustiado com a orientação recebida- definiu regras de quem não quer receber.
Nas renegociações, o banco está cobrando TBF mais 1,5% -que equivale à TR mais 2,7% ao mês ou 38% ao ano. É o de menos, porque as condições definidas pelo banco simplesmente não permitirão qualquer negociação.
Exemplifica o funcionário:
1) Um sujeito, que devia R$ 1.000 em 31 de maio, tem que pagar 20% à vista (ou R$ 200) apenas para iniciar a negociação.
2) Depois, tem que pagar os juros devidos em junho. A 12,5% (taxa cobrada no cheque especial) são mais R$ 125.
3) Também tem que pagar antecipadamente os juros de julho até a data da renegociação. O funcionário estima em mais uns R$ 80.
4) Para renegociar uma dívida de R$ 1.000, portanto, o cliente tem que dispor de R$ 400 à vista. Pergunta o funcionário: ``Quem tem 40% da dívida para pagar `cash', tinha razão para estar inadimplente?"
5) Conclusão do funcionário: em todos os casos que analisou, a única saída será ajuizar ação contra seus clientes.
Processo semelhante ocorre em vários estados agrícolas. O banco é responsável por vários cemitérios de máquinas, constituídos por equipamentos retirados de clientes inadimplentes, deteriorando ao relento, transformando garantias em sucata.
Durante décadas o BB foi vítima de caloteiros oficiais e de seus padrinhos políticos. Se a atual diretoria pensa que seus inimigos são seus clientes anônimos, vai ter que passar por longo aprendizado até aprender a operar como banco de mercado.

Pelo social
O governo tinha duas maneiras de derrubar a demanda. A primeira, por meio de aumentos na tributação. Afetava todos os consumidores e empresas igualmente, derrubando a demanda agregada de maneira mais equilibrada.
A opção escolhida -jogar os juros na estratosfera e eliminar o crédito da economia- foi altamente concentradora de renda, ao dividir o país em dois. Numa ponta, o país endividado -que rapidamente quebrou ou ficou inadimplente. Na outra, o país líquido (e rico), que passou a ganhar cada vez mais -em cima do aumento da dívida interna, saliente-se.
Como o Brasil endividado é maior, com o tempo o que deixa de consumir pesa mais do que o aumento de consumo do Brasil rico. E aí produz-se o desemprego e a queda mais acentuada da demanda agregada -processo que está se iniciando agora.
O que os índices não revelam é o brutal processo de concentração de renda provocado pela opção escolhida. É fenômeno que já pode ser visto a olho nu no campo, com pequenos fazendeiros vendendo suas propriedades a preço vil para grandes fazendeiros e investidores. E nas cidades, com pequenas empresas rodando à solta, como se vítimas de umas epidemia de Ébola.

Texto Anterior: EUA e Vietnã retomam relações
Próximo Texto: Ford concede reajuste de 6,44% fora da data-base
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.