São Paulo, quarta-feira, 12 de julho de 1995
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Os neo-escravos

CARLOS HEITOR CONY

É mole governar em regime neoliberal. Desde que foi criada a idéia do Estado, o difícil é equilibrar os contrastes, criar a estrutura executiva que distribuirá os bens tanto quanto possível a todos os membros da nação. O livro de Werner Jaeger ``Paidéia, A Formação do Homem Grego", embora ligeiramente, esboça a cronologia e a luta da sociedade mais avançada de seu tempo para instaurar um organismo capaz de distribuir os bens da nação, inclusive o trabalho de seus cidadãos, de forma a que todos fossem aptos a uma vida decente, com possibilidade de moradia, família, saúde e educação.
É o bê-á-bá de qualquer sociologia, por isso mesmo o mais desprezado. Durante a Idade Média, no Ocidente, e até há bem pouco no Oriente, o Estado era o gendarme, o policial que garantia os privilégios das castas superiores pela posse das terras, pelo controle dos exércitos e pela complacência da igreja.
Apoiando-se em três classes (nobreza, clero e povo), o Estado feudal era produto da aliança dos nobres e dos clérigos. O povo pagava a conta com o suor do seu trabalho, de suas pestes, de sua incultura. A Revolução Francesa teve início com a convocação dos Estados Gerais. Nobreza e clero logo roeram a corda, acuaram os representantes do povo que decidiram fazer uma Assembléia por conta própria -e aí o resto foi consequência.
As dificuldades do Estado moderno, nascido em 1789, até hoje continuam difíceis -o pleonasmo é válido. O neoliberalismo descobriu a pólvora: com a meritocracia, com a hegemonia dos mais aptos, não é difícil gerenciar a sociedade. O exemplo mexicano deve ser citado: 0,3% da população detém 56% da renda nacional. É tão fácil ganhar dinheiro por meio do Estado neoliberal, que somente os burros ficarão empacados na miséria, na violência, na doença, na ignorância.
No fundo, o que o atual governo propõe à nação é um dilema primário: vamos cuidar de quem pode. Os que não podem, com salário desindexados, sem educação e sem saúde, serão os neo-escravos a serviço das casas-grandes.

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