São Paulo, sexta-feira, 14 de julho de 1995
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Dez anos de "Brasil: Nunca Mais"

JAIME WRIGHT

O livro ``Brasil: Nunca Mais" foi colocado nas livrarias de todo o país no dia 15/7/1985, sem nenhuma propaganda ou lançamento. Como parte da ``paranóia remanescente coletiva", tínhamos proibido a editora de fazer qualquer publicidade prévia sobre o livro, apesar de já estarmos alguns meses no período pós-ditadura.
No domingo, 28/7/85, o livro ainda não aparecia na pesquisa semanal do Datafolha. Mas no domingo seguinte, 4/8/85, ``Brasil: Nunca Mais" não só aparecia na lista, mas em primeiro lugar!
Esse fenômeno de vendagem fez com que o livro permanecesse nas listas dos mais vendidos por 91 semanas consecutivas, tornando-se, assim, um dos livros de não-ficção mais vendidos em toda a história da literatura brasileira.
Durante cinco anos de labor secreto, a equipe do projeto ``Brasil: Nunca Mais" (BNM), que chegou a totalizar 35 pessoas, produziu sete resultados diretos. O primeiro foi a formação de um acervo de mais de 1 milhão de páginas. Esse material está agora à disposição do público na Universidade de Campinas, no Arquivo Edgard Leuenroth do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
O segundo foi a microfilmagem de todo esse acervo. Quinhentos e trinta e oito rolos de microfilmes foram doados ao ``Latin American Microform Project" (Lamp), em Chicago, que coloca o acervo à disposição de pesquisadores de mais de uma centena de universidades norte-americanas.
O terceiro foi uma espécie de enciclopédia que contém, em seus 12 volumes e 6.891 páginas, as conclusões dos pesquisadores do projeto BNM, com 111 quadros estatísticos. O quadro nº 101, por exemplo, é a lista dos 444 torturadores apontados à Justiça Militar.
O quarto foi o livro ``Brasil: Nunca Mais", com 312 páginas, que é, na realidade, um resumo da enciclopédia de 12 volumes. O quinto foi o livro ``Perfil dos Atingidos", também da editora Vozes, que é a descrição mais completa de 47 organizações da esquerda brasileira que atuaram antes e durante a ditadura de 1964/1985.
O sexto foi uma espécie de biblioteca com 10.170 itens da esquerda brasileira, todos eles copiados dos anexos dos processos da Justiça Militar. Essa biblioteca faz parte do acervo do projeto BNM e está também à disposição do público na Unicamp. Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, é autor de quatro itens (8629, 8639, 8648 e 9442).
O sétimo resultado direto foi o livro ``Torture in Brazil", versão melhorada em inglês do livro ``Brasil: Nunca Mais". Esse livro tem uma introdução para o leitor estrangeiro, com mais cinco páginas de notas bibliográficas.
Há uma série de resultados indiretos, sequelas e repercussões que ainda estão acontecendo e que aparecem quase semanalmente em jornais e revistas. Mencionaremos alguns. Várias instituições de ensino, de vários graus e em vários Estados, no Brasil e nos Estados Unidos, adotaram ``Brasil: Nunca Mais" (Torture in Brazil) como livro-texto em seus cursos.
Atendendo ao apelo feito pelo cardeal arcebispo de São Paulo no final do seu prefácio, o então presidente da República José Sarney assinou, na sede da ONU em Nova York, em 23/9/85, a ``Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou castigos cruéis, desumanos ou degradantes". Um livro sobre a feitura do projeto BNM foi publicado nos Estados Unidos: ``A Miracle, a Universe", de Lawrence Weschler. A tradução em português, ``Um Milagre, um Universo", foi publicada pela Companhia das Letras, em 1990.
A rede de televisão ABC, dos Estados Unidos, enviou equipe de quatro pessoas ao Brasil para produzir um segmento sobre o projeto BNM para o programa ``Nightline". A companhia cinematográfica HBO, dos Estados Unidos, contratou Lawrence Weschler para escrever o roteiro de um filme comercial sobre o projeto BNM.
O livro serviu de gancho para pelo menos três peças de teatro: em São Paulo (``Brasil, Até Quando?"); em Vitória (``Brasil, Espero Nunca Mais"); e no Rio de Janeiro (``Brasil: Nunca Mais -de Getúlio aos Generais"). O primeiro de uma série de livros pesquisados no acervo do projeto BNM foi publicado em 1987, da autoria de Jacob Gorender, ``Combate nas Trevas".
A primeira de uma série de teses de doutorado pesquisadas no projeto BNM é da autoria de Daniel Aarão Reis Filho, na USP, em 1987: ``As organizações comunistas e a luta de classes".
Recente (1994) reflexão sobre a tortura, da editora Brasiliense, ``Do Nunca Mais ao Eterno Retorno", de Luciano Oliveira, traz, no último capítulo, excelente bibliografia sobre o assunto. Pelo menos três livros pretenderam responder ao projeto BNM: ``Brasil Sempre", de Marco Pollo Giordani, ``Rompendo o Silêncio", de Carlos Alberto Brilhante Ustra, e ``Verdade e Realidade", de Oswaldo Lima Rodrigues.
Associações de classe já puniram médicos que colaboraram com a tortura, baseadas em dados do projeto BNM.
Tem havido uma longa série de demissões de funcionários públicos com base em informações extraídas do projeto BNM. A mais recente é a do adido militar na Embaixada do Brasil em Londres, o coronel Armando Avólio Filho.
Houve três processos contra os responsáveis pelo livro. Nenhum prosperou. Resultado indireto importante é aquele que atende aos dois objetivos iniciais do projeto BNM: a) preservar a memória do que ocorreu durante a ditadura, com base exclusiva na documentação oficial da Justiça Militar; b) produzir e multiplicar instrumentos de luta e de trabalho a favor da Justiça.
Falta ao Congresso Nacional regulamentar a alínea XLIII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988: ``A tortura é um crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia".

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