São Paulo, sexta-feira, 14 de julho de 1995
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Desconfiem dos jornalistas

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA - Uma das colunas mais interessantes que li recentemente foi escrita pelo economista João Sayad, publicada nesta Folha. Ele enumerou vícios de sua categoria, encaixou-os na conjuntura brasileira, propondo ao leitor: desconfie dos economistas.
Vou tentar seguir seu exemplo e, aproveitando meus derradeiros dias neste espaço, deixo aqui uma dica ao leitor: desconfie também de nós, jornalistas. Temos vários vícios; comento hoje um deles.
Os jornalistas são treinados para valorizar os conflitos, matéria primeira da notícia -quanto maiores o escândalo, a mazela, a crise, maior a notícia. Por isso, com frequência acabamos publicando números exagerados sobre os mais diferentes tipos de crise.
Sinceramente, olhando hoje, eu teria publicado com mais cautela números sociais divulgados pelos governos, organismos internacionais e entidades não-governamentais. Detectavam corretamente o problema, mas estavam longe da precisão.
O jornalista desenvolve diante da crise a frieza de um cirurgião e, não raro, o cinismo de um político. Quando no seu dia-a-dia um jornalista comunica a seu chefe que tem uma ``boa notícia", pode apostar que descobriu uma tragédia. O prazer do ``furo" capaz de ganhar manchetes é, na maioria das vezes, o prazer em cima de alguma desgraça.
Tende-se a imprimir nas páginas o lado mais sombrio da vida. Numa situação normal, entretanto, a vida do cidadão comum é composta de um misto de boas e más notícias.
Aqui, no Brasil, temos um agravante. O jornalismo prosperou na crise aguda e longa, graças à combinação de recessão, inflação, corrupção, em meio às mais variadas formas de incompetência. Desenvolveu-se um notável esforço investigativo, aprofundando a democracia.
Estamos, agora, nos adaptando a um país mais estável com crises normais. Já não se pode dividir o mundo entre os ``bons" e os ``maus", como se fazia durante a ditadura. Nessa transição, estamos oferecendo ao leitor, além da indispensável crítica, o jornalismo resmungão: nada dá certo, nada serve, nada evolui. Parecemos tias velhas hipocondríacas.
Não sem motivos, muitas vezes a leitura é chata. Vamos, porém, acabar encontrando o ponto: afinal, quando se solta um pêndulo, ele nunca pára imediatamente no meio.

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