São Paulo, terça-feira, 18 de julho de 1995
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Banda supera indigência musical e surpreende Festival de Inverno

LUÍS ANTÔNIO GIRON
ENVIADO ESPECIAL A CAMPOS DO JORDÃO

A miséria tem sua faceta exótica e comovente. O Festival de Inverno de Campos do Jordão deste ano segue Jorge Amado e Ziraldo. Fez brotar no sábado um narciso na favela cultural em que se converteu: uma banda em noite de gala.
Quem não tem Filarmônica de Berlim se contenta com a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo. Regida por Roberto Farias, o grupo provou ser a última flor do brejo erudito do Mercosul.
Sim, vamos assimilar o fato e reconhecer que uma banda é a única orquestra de primeiro mundo em atividade no Brasil.
A multidão que empanturrava o auditório Claudio Santoro aplaudiu com a frialdade consagradora. Bateu palmas débeis até mesmo entre os movimentos (como ocorreria no interior de Roraima, onde música clássica ainda é a dos ianomamis), o que lhe dá uma autoridade às avessas.
Farias e comandados mostraram um desempenho muito além da mediocridade das orquestras brasileiras. O espetáculo abordou a música contemporânea, cada vez mais rara nas salas de concerto.
O repertório foi incomum, com a presença de dois dos compositores tocados na noite e direito a uma primeira audição mundial: o ``Concertino", do compositor norte-americano Daniel Havens, 49. A peça, com sabor neoclássico, teve participação do afiado Quinteto de Sopros Pró-Arte do Chile.
Os compositores Achille Picchi, 43, brasileiro, e Vicente Moncho, 56, argentino, se fizeram presentes e tiveram obras executadas.
``Solfieri", de Picchi, é um poema sinfônico para lá de grotesco. Vale pelas gargalhadas que provoca. O autor quase desossou o piano com arpejos sísmicos, enquanto os sopros carregavam na polifonia de timbres. Já ``El Don del Aguila", de Moncho, espantou pela polirritmia percussiva.
A noite se perfez com a ``Fantasia em Três Movimentos", de Villa-Lobos, obra de 1957, pouco tocada por envolver complexidade.
A banda exibiu desenvoltura com as formas abruptas das peças contemporâneas, agressividade e precisão. É de se especular sobre o motivo do surgimento dessa relíquia num meio vincado pela indigência. As orquestras estão despencando e, de repente, a banda passa e redime o meio musical.
Regente rigoroso, Farias deve ensaiar com chicote e daí obter resultado musical excelente. Outro motivo pode estar na ausência das cordas, exceto os contrabaixos. O Brasil é o país dos sopros, terra de contrastes e coretos. Nossa Filarmônica de Berlim tinha que ser uma banda.

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