São Paulo, terça-feira, 18 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Romance transforma `nerds' em heróis

JAY MCINERNEY
DO ``THE NEW YORK TIMES REVIEW OF BOOKS"

Livro: Microserfs
Autor: Douglas Coupland
Preço: US$ 21 (nos EUA)
Encomendas: Livraria Cultura (tel. 011/285-4033)

Ser o porta-voz literário de uma geração é um trabalho perigoso, que hesitaria em recomendar aos que pretendem viver mais de 30 anos. Douglas Coupland, hoje com 33, parece ter agarrado essa idéia com as duas mãos quando decidiu batizar seu primeiro romance de ``Geração X".
Era um título ambicioso para um livro perspicaz, cujas personagens eram mais idiossincráticas e articuladas do que as figuras insignificantes que desde então, nas seções de estilo de vida, passamos a reconhecer e a abominar.
Os livros seguintes de Coupland (o romance ``Planet Shampoo" e a coletânea de contos ``Life After God"), com toda a sua consciência tribal e demográfica, revelaram traços de um escritor mais convencional e sentimental que o avatar de geração do primeiro livro.
No recém-lançado ``Microserfs" (Microservos), romance engraçado e atual sobre os ``nerds" (idiotas) de computador, duas personalidades autorais lutam pela supremacia como os antagonistas preto e branco de ``Spy vs. Spy" (tira cômica da revista ``Mad").
Em ``Microserfs", o universo básico de referência é a cultura pop dos anos 70. O narrador oferece notas sobre uns poucos ``bits" literários e teológicos, mas pressupõe em seus leitores um conhecimento profundo de seriados de TV, como ``As Panteras".
Seus personagens (e, presumivelmente, seu público-alvo) conhecem computadores, mas não necessariamente conhecem livros.
Como retrato de uma subcultura, ``Microserfs" é fascinante, ainda que um pouco cansativo. A exemplo de ``Geração X", boa parte do romance consiste em aforismos e tiradas -decodificação semiótica de publicidade e produtos, neologismos divertidos e listas. Coupland é um arguto observador do mundo não-natural e exibe seus talentos a ponto de impacientar os viciados em enredo.
O narrador, Daniel Underwood, 26 anos, é um ``testador" no campus da Microsoft em Seattle. Vive em uma república com cinco ou seis outros ``nerds".
Daniel e seus colegas levam vidas de tédio frenético, trabalhando 16 horas por dia diante de seus monitores, comendo ``junk food" e imaginando o que seu líder máximo, Bill Gates, estará pensando.
Eles deixam esse Jardim do Éden ``nerd" quando o colega Michael decide montar sua própria empresa no Vale do Silício. Toda a equipe passa a morar com o pai e a mãe ultracalifornianos de Daniel e a trabalhar para Michael.
O que acaba sendo menos verossímil, porém, é o modo pelo qual todos os ``nerds" afinal descobrem seu verdadeiro caráter, se reconciliam com suas famílias divididas e se apaixonam.
Lá pela metade do livro, uma dupla personalidade narrativa começa a se mostrar. A ironia e o sentimentalismo convivem desconfortavelmente.
Esse outro Coupland é um contador de histórias pré-pós-moderno que embrulha as inúmeras pontas soltas de ``Microserfs" em um pacote tão certinho e reconfortante quanto uma obra de Anthony Trollope (escritor inglês, 1815-1882).
Mas Coupland continua a registrar o burburinho de sua geração com uma fidelidade que deveria envergonhar muitos caçadores profissionais do ``Zeitgeist" (o espírito dos tempos).

Texto Anterior: BLUE NOTES
Próximo Texto: Autor criou ``Geração X"
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.