São Paulo, terça-feira, 18 de julho de 1995
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Sobre vacas e miseráveis

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - O Ministério da Agricultura guarda em seus armazéns uma ótima e uma péssima notícia. A boa novidade é que, ao final de julho, os estoques de alimentos do governo atingirão a impressionante marca de 20 milhões de toneladas.
O lado desagradável da notícia é que o governo não sabe bem o que fazer com tanta comida. Uma parte, estocada desde 1992, já está estragando. Há nos silos oficiais milho, arroz, feijão, trigo e farinha de mandioca.
O governo poderia vender os produtos. Mas os preços da cesta básica estão em queda. Se levasse tanto mantimento às quitandas, Brasília sufocaria ainda mais os agricultores que marcham em sua direção.
A comida poderia ser doada à patuléia faminta. Mas, juntando-se toda a previsão do Comunidade Solidária, só serão distribuídas 400 mil toneladas.
Há dificuldades operacionais. A maioria das bocas vazias está em zonas pobres como o Nordeste e o Vale do Jequitinhonha. E os silos abarrotados do governo encontram-se em Estados produtores como o Rio Grande do Sul e o Paraná.
Há casos em que o custo do transporte inviabiliza a operação. Ficaria mais barato dar dinheiro para que as pessoas matem a fome no mercado mais próximo.
Fazendeiro, o ministro da Agricultura tem menos azar em seus negócios privados. Andrade Vieira possui terras no Sul e no Norte do país. Há dias, precisou dar de comer ao gado que mantém confinado em Marabá (PA).
Tinha boa quantidade de milho no Paraná. Mas, com o preço do frete, a saca de milho sairia por impensáveis R$ 12,00. Talvez R$ 13,00. O ministro optou por vender o milho paranaense.
Obteve R$ 5,50 por saca. Para o gado, comprou milho em Goiás. Pagou R$ 7,00. Com o transporte, pôs o produto em Marabá por R$ 9,00. Seu gado passa bem.
Num ambiente assim, em que as vacas têm melhor sorte que os miseráveis brasileiros, o discurso social do governo pode ajudar. Mas, como ensina Gandhi, ``se Deus tiver que aparecer para os famintos, não se atreverá a aparecer em outra forma que não a de um prato de comida". Até os bovinos sabem que palavras não enchem a barriga.

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