São Paulo, quinta-feira, 20 de julho de 1995
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O consenso do bom senso

ALCIDES MODESTO

A crise da agricultura volta à pauta de discussão, realçando as contradições entre as pregações de campanha e a prática do governo FHC relativa ao setor.
O plano de governo de FHC atribuía ``um papel duplamente estratégico" para o setor agrícola. Afirmava: ``É nele que se inicia a principal cadeia de produção de bens de consumo de massa... e é também nele que se pode criar emprego mais rapidamente e com menor custo de investimento..." (``Mãos à Obra, Brasil", 1994).
Por conta dessa ``convicção", o programa de governo do então candidato definiu a agricultura como uma das suas cinco grandes prioridades, assumindo o compromisso pela execução de uma política garantidora da renda agrícola e de fontes estáveis para o financiamento do setor. De lambuja, FHC prometeu ainda o resgate da cidadania para todos os homens do campo.
Após sete meses de governo e um ano do Real, o prometido paraíso agrário vem se transformando, na realidade, num dramático desafio para a sustentação de uma atividade econômica estratégica para o país, com perversas repercussões sociais nas áreas urbanas e rurais.
As anunciadas políticas de renda e crédito compatíveis com as requeridas pela atividade agrícola traduziram-se na execução de ações altamente lesivas ao setor. Com FHC ministro e presidente, a transferência de renda da agricultura, principalmente para os bancos, alcançou patamares recordes. De fevereiro de 1994 a abril de 1995, enquanto a TR, mais os juros do crédito rural, atingiram a variação acumulada de 1.139%, o preço da soja variou 407%; o preço do milho, 339%; e o do trigo, 730%.
Somente neste primeiro ano do Plano Real, o congelamento dos preços mínimos combinado com a correção -via TR mais juros reais- dos custos dos financiamentos agrícolas provocou um descasamento próximo a 50%, entre tais variáveis.
Não bastasse esse fato, a adoção de uma política cambial favorecedora das importações, associada à violenta e insana quebra de barreiras tarifárias e não-tarifárias sobre os produtos agrícolas, levou a volumosas importações agrícolas em pleno período de safra, fazendo desabar os preços em nível dos produtores.
Assim, o dinamismo inconteste do setor (a despeito das adversas condições da política governamental, a produção brasileira de grãos experimentou um incremento de 3,5 milhões de toneladas em relação à anterior) foi ``premiado" com uma perda de renda próxima a R$ 5 bilhões, comparativamente à renda obtida na safra passada.
Nesse contexto, a agricultura nacional, além de vir se constituindo em âncora econômica do processo de estabilização da moeda, vem assumindo também a função de âncora política do governo. Com a acentuada redução verificada nos preços agrícolas e a consequente estabilidade do custo da cesta básica, FHC vem conseguindo a indiferença da população ao seu projeto de desmonte do Estado e dos setores concorrenciais da economia brasileira.
A despeito da urgência com que se fazem necessárias medidas efetivas destinadas à reversão do quadro dantesco de injustiças econômico-sociais dominante na área rural do país, ações emergenciais em defesa da sustentação econômica da atividade agrícola e de suas funções estratégicas merecem o apoio irrestrito de todos os setores da população conscientes dos efeitos, para o país, da atual política de desmonte setorial praticado pelo governo.
Não podemos assistir passivamente os efeitos devastadores sobre as comunidades dos vilarejos e das pequenas e médias cidades do interior do país, bem como os seus reflexos subjacentes na intensificação da crise social urbana, da ação em curso de redução da política econômica nacional aos propósitos de estabilização da moeda, amparada em artifícios econômicos deliberadamente indutores da brutal deterioração dos níveis de rentabilidade do setor agrícola.
Nesse sentido, na condição de presidente da Comissão de Agricultura e Política Rural da Câmara dos Deputados, apóio integralmente o ``2º Grito da Terra Brasil" e, neste momento, não poderia de deixar de externar minha solidariedade aos agricultores que se deslocaram a Brasília para, pelo ``caminhonaço", manifestarem seu inconformismo com as ações desestruturantes do setor levadas a cabo pelo atual governo.
Da mesma forma, julgo como extremamente oportuno o Congresso do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, que ocorrerá na próxima semana em Brasília, na medida em que, também na reforma agrária, FHC tem ficado apenas no discurso.
A propósito, quanto ao ``caminhonaço", se o presidente da República se acha com legitimidade para cometer uma generalização grosseira e injusta, tachando esses agricultores de caloteiros, com muito mais razão podemos afirmar que FHC incorreu em estelionato eleitoral, por ter ``amputado" uma de suas prioridades de campanha.

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