São Paulo, sábado, 22 de julho de 1995
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Coleção ``Audiophile Classics" traz CDs com russos baratinhos

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

Desde que perderam os privilégios estatais e se tornaram cidadãos de segunda classe, os músicos russos praticam o ``dumping" estético na indústria fonográfica. Executam e gravam música de alta qualidade a remunerações risíveis. O resultado é o barateamento do produto.
Todas as grandes gravadoras lançaram séries com gravações feitas a toque de caixa com músicos do Leste Europeu.
A gravadora Movieplay, com sede em Portugal e sucursal em São Paulo, está lançando a sua coleção de russos baratinhos. Intitula-se ``Audiophile Classics" e traz no primeiro suplemento 47 títulos em CD com ótima qualidade sonora.
A série utiliza o sistema Super Bit Mapping (SBM). Este imita o método da gravadora alemã Deutsche Grammophon, que atenua o impacto do ponto de emissão sonora e torna mais audíveis as dinâmicas e o balanço.
É um gesto ousado para uma gravadora que se notabilizou por vender CDs clássicos de duvidosa origem e excelência de som.
Desde 1988, quando se instalou no Brasil, a Movieplay já pôs cerca de 600 títulos clássicos no mercado. Dessas miudezas a preços módicos, aproveita-se somente um: ``Música Maneirista Portuguesa", lançado em 1991. Agora se redime.
Como todo lançamento do gênero, no entanto, a nova série contém planuras. E embora os ápices prevaleçam, vale mais para o iniciante do que para o iniciado. Um material promocional de excelente qualidade traz textos informativos e análises das obras. Os encartes também trazem muitos dados interessantes.
É aconselhável conhecer as poucas desvantagens. Os russos são coelhos de Alice dos discos clássicos. Sempre apressados, ensaiam uma vez e já correm para o estúdio. A maioria das gravações mostra virtuosismo quase animal e interpretações em piloto automático.
A coleção traz os ``Concertos para Violino", de Johann Sebastian Bach, com os Solistas de São Petersburgo. Eles são recordistas de estúdio. Fizeram contratos com todas as gravadoras. A Sony, por exemplo, editou há três meses uma dezena de discos com eles. Em oito anos de trajetória, gravaram de tudo um pouco.
A qualidade da interpretação é abaixo da média. O violinista Mikhail Gantvard é inventivo como uma enceradeira. Não toca, mas pole Bach. Desnecessário dizer que as obras já têm versões razoáveis no mercado brasileiro.
Bobagem do mesmo nível é a integral das sonatas para piano de Beethoven a cargo de sete jovens pianistas do Conservatório de São Petersburgo.
Integrais são pertinentes quando revelam a leitura de um intérprete. Está certo que os sete pianistas toquem todos de forma idêntica e insossa. Se é assim, não deveriam ser contemplados com a integral.
O restante da série pode ser consumido sem problemas. Destacam-se as obras completas para piano do compositor francês Erik Satie (1866-1925), pelo pianista esloveno Bojan Gorisek, 33.
Pela primeira vez as obras são lançadas no Brasil. Em seis CDs, Gorisek sabe manter a ironia característica de Satie, um reducionista do piano. Percorre desde as primeiras peças românticas, como ``Fantasie-Valse", de 1885, até as tardias ``Heures Séculaires et Instantanées", de 1914, primeiros flertes do compositor com o modernismo.
Gorisek não é exatamente um virtuose. Trabalha mais na reflexão da partitura e sua abordagem tem traços pós-seriais; é detalhista e crítico. Não há um pingo de expressionismo nas interpretações.
O inverso acontece nas leituras de sinfonias e obras pianísticas e sacras de Piotr Ílitch Tchaikóvski (1840-1893). Estas formam boa parte do catálogo da Audiophile. Ali, predomina o romantismo acerbo, fiel às idéias do compositor.
As peças sinfônicas de Tchaikóvski estão em sete discos. São executadas pela Orquestra do Estado de São Petersburgo, com regência do jovem maestro Andrei Anikhanov, 29. A orquestra ainda guarda o exagero épico e os ralentandos dos tempos comunistas.
Nota-se o esforço de Anikhanov em controlar os derrames dos músicos. Mas ele acaba se rendendo e a resultante é emotiva.
a maior curiosidade tchaikovskiana é a ``Liturgia de São João Crisóstomo Op. 41". com o Coro Acadêmico Glinka de Leningrado, com regência de Vladislav Tchernushenko, 59. Obra composta em 1878, exibe a única incursão do mestre pela música bizantina.
O ouvinte deve perdoar os russos pela pressa e lhes dar a justa atenção. Valem mais que custam.

Coleção: Audiophile Classics
Lançamento: Movieplay
Preço: R$ 14 (o CD)

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