São Paulo, sábado, 22 de julho de 1995
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O sono das horas

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Vi nas folhas as fotos da comitiva presidencial dormindo durante as solenidades oficiais em Lisboa. Como naquela tradução de ``O Corvo", feita pelo Machado de Assis, estavam todos caindo de sono e fadiga. A programação desses eventos é cruel, são dezenas de compromissos os mais variados e em locais disparatados, em 48 horas é cumprida uma agenda de semanas.
Ninguém presta muita atenção ao que está acontecendo, primeiro porque nada de importante está realmente acontecendo, segundo porque cada qual está preocupado com o sono atrasado, a camisa que ficou sem o botão, o remédio que não foi tomado -essas coisas.
Mesmo assim, o torpor que as fotos revela deixa mal o tão propalado charme presidencial. Onde o sono desabava para valer era durante os discursos de FHC. Daí me veio a idéia de sugerir uma fonte de renda para a Campanha de Solidariedade de dona Ruth e do Betinho.
Um dos males do mundo moderno é a insônia, o sono maldormido. A indústria farmacêutica lava a égua com os relaxantes e soníferos, apesar da suspeita de que criam dependência e provocam sequelas como lentidão, burrice e impotência. Além do mais, a maioria dos remédios precisa de receita médica -o que complica a coisa e causa corrupção nas farmácias.
O presidente devia gravar alguns discursos e pronunciamentos em disco, cassete, CD e vídeo. O Marzagão podia orientar na seleção dos trechos mais quentes. Dona Ruth e Betinho não precisariam pagar direitos autorais, tudo ficaria em casa.
A julgar pela cara do Serjão, do Bernardo Cabral e do Artur da Távola, o efeito é fulminante. Dou de barato que o presidente Mário Soares, que também dormiu durante a fala presidencial, não serve de exemplo. Ele já vem dormindo há muito em solenidades da comunidade luso-brasileira. O assunto exerce sobre ele uma modorra letal. Ano passado, aqui no Rio, desabou quando um orador começou a recitar Gil Vicente a propósito da inauguração de uma creche em Padre Miguel.

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