São Paulo, domingo, 23 de julho de 1995
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Governadores querem manter incentivos

CLÓVIS ROSSI; EMANUEL NERI
DA REPORTAGEM LOCAL

Guerra é guerra. Ronaldo Cezar Coelho, banqueiro e deputado federal (PSDB) transformado em secretário da Indústria e Comércio do Rio, pegou seu jatinho, em um dia da semana passada, às 20h no Rio.
Desembarcou quase diretamente no elegante restaurante Fasano, em São Paulo, jantou com um punhado de empresários e, às 2h, estava de volta ao Rio.
``Rendeu bons investimentos", diz o secretário, sem revelar seus interlocutores. Guerra é guerra, mesmo que seja apenas uma guerra fiscal, expressão que designa a disputa entre Estados para atrair investimentos, por meio de incentivos na área tributária.
Não por acaso o jatinho desceu em território paulista. A guerra gira na essência em torno da riqueza industrial de São Paulo.
Não se trata de sentimento antipaulista, mas de um fato natural: São Paulo concentra, de longe, a maior fatia do bolo da riqueza brasileira. Logo, não há quem não almeje um naco dela.
Mesmo quem diz o contrário. Tasso Jereissati (PSDB), governador do Ceará, é um deles.
``Não concorro com São Paulo", começa dizendo Tasso. Depois emenda: ``Dou incentivo para determinados tipos de indústria que iriam sair mesmo de São Paulo, por um motivo ou outro".
Mais direto é o governador da Bahia, Paulo Souto (PFL). Para ele, nada pode ser feito para evitar que os Estados dêem incentivos para atrair investimentos.
``A menos que o governo federal resolva criar uma lei que diga que é proibido instalar indústrias fora de São Paulo", ironiza Souto.
Reforça o governador catarinense Paulo Afonso Vieira (PMDB): ``Temos que oferecer algo que possa pesar na balança e compensar um pouco a atração natural que São Paulo exerce".
Todos os governadores ouvidos pela Folha foram unânimes em defender o direito de os Estados usarem a arma do incentivo fiscal para atrair investimento.
``Nessa de incentivo fiscal, não tem vestal alguma", resume Ronaldo Cezar Coelho. ``Vá lá no Banespa (o banco estatal paulista) para ver o volume desses empréstimos", completa.
A questão é saber se a arma é de fato eficiente na guerra pelas indústrias.
``Nenhum investimento grande está se deslocando para um lado ou para outro por causa de incentivos fiscais", garante Antônio Britto (PMDB), governador do Rio Grande do Sul.
Eduardo Azeredo (PSDB), governador mineiro, concorda: ``Incentivo não é fator decisivo. Se fosse, todas as empresas iriam para a Zona Franca de Manaus".
Se é assim, por que todos os governadores insistem em ter o direito de conceder incentivos?
A melhor resposta é de Tasso Jereissati: ``Políticas de diferenciação fiscal são clássicas no mundo todo". E cita os exemplos da Autoridade do Vale do Tennessee (EUA), uma espécie de Sudene para os Estados do Centro-Sul norte-americano, e dos incentivos à região Sul da Itália, a mais pobre.
O problema é que não são bons exemplos. O Sul italiano continua sendo a parte pobre do país, assim como alguns Estados sulinos dos EUA.
``Mas o que existe de base industrial no Nordeste foi consequência dos incentivos da Sudene", reage Tasso.
Se todos dão incentivos e se o efeito até agora parece reduzido, a mais provável explicação para o ressurgimento da guerra fiscal entre os Estados está na expressão ``desconcentração industrial", outra virtual unanimidade entre os governadores.
Significa que São Paulo (e, agora, também Minas Gerais) já têm indústrias demais, o que traz riquezas, mas também problemas.
O governador mineiro, Eduardo Azeredo, admite: ``Para São Paulo e Minas é até bom que não haja saturação, por causa da queda da qualidade de vida".
Reforça o gaúcho Antônio Britto: ``São Paulo enfrenta todas as desvantagens do sucesso".
Entre elas: problemas de infra-estrutura que o governo não pode resolver porque está quebrado; um sindicalismo muito ativo e problemas ambientais.
A saturação do Estado é que torna mais factível aos outros tentar capturar investimentos que a força da economia paulista atrairia naturalmente.
É por isso que os governadores preferem, na projetada reforma tributária, ``uma política federalizada desde que haja espaço para prioridades regionais", como resume o governador Wilson Martins (PMDB-MS).
Traduzindo: aceitam que a União fixe regras para a cobrança do ICMS, o principal tributo estadual, mas não concordam nem com a cobrança direta pela própria União nem com a eliminação da possibilidade de distribuírem incentivos.
Ou, como prefere o mineiro Eduardo Azeredo: ``O problema é como conciliar dois extremos: de um lado, a necessidade de regras nacionais, porque está havendo exageros que podem levar de fato a uma guerra fiscal. De outro lado, há desigualdades regionais muito fortes e, para atrair empresas, os Estados mais pobres precisam ter compensações".
Tão fácil de falar como difícil de fazer, o que faz prever que muitos jatinhos como o de Ronaldo Cezar Coelho continuarão suas incursões por territórios inimigos.
(Clóvis Rossi e Emanuel Neri)

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