São Paulo, domingo, 23 de julho de 1995
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Comportamentos de avestruz

OSIRIS LOPES FILHO

O encaminhamento que tem sido dado à questão da reforma tributária tem ignorado um ponto essencial. É a participação do povo no processo. Principalmente da sociedade civil, por meio do debate público das soluções apresentadas, pois é o povo quem paga os tributos e a conta.
Está certo que o governo federal, que assumiu a responsabilidade desta tarefa durante a campanha eleitoral, está ainda soterrado nas discussões internas a respeito. Falta-lhe um sentido de unidade nas propostas a apresentar, embora se reconheça ter havido muitos balões-de-ensaio e algumas demonstrações de conflitos internos.
A proposta da criação da contribuição sobre as movimentações financeiras, capitaneada pelo ministro Jatene, da Saúde, é uma delas. Embora a sua finalidade seja altruísta -financiar programas e estrutura da saúde no país-, o seu efeito é perverso, pois significa a criação de mais um tributo indireto e cumulativo a onerar os custos de produção, comercialização e consumo dos bens e serviços.
A carga tributária indireta existente no país, que termina sendo absorvida pelos consumidores, é absurda. Agravá-la, embora com os melhores propósitos, é demonstração de insensibilidade social e política dos governantes.
País da evasão, o aumento da carga tributária individual, das pessoas naturais e das empresas implica elevar o ônus dos que pagam os tributos corretamente e dar, cada vez mais, vantagem e poder de competição ao evasor.
Aumentar a arrecadação com manipulações da lei tributária, como tem sido feito nos últimos 30 anos, desde a ditadura militar, é adotar o ``complexo de avestruz" mencionado pelo presidente FHC.
Tal ave, diante do perigo, enfia a cabeça num buraco, ignorando a realidade. Esta tem sido a conduta prevalente. Exemplo: o deputado Kandir, que preside uma comissão encarregada, no âmbito do Congresso, de estudar o sistema tributário nacional, deu esclarecedora entrevista à Folha em 17/07/95.
A sua fórmula de combater a sonegação é remover o "entulho fiscal". A sua prioridade é melhorar o processo de cobrança dos créditos tributários. Após descrever, com equívocos, a sua tramitação, conclui: "No fundo, a gente quer simplificar o sistema, tapar os ralos jurídicos e fazer com que o processo de cobrança não seja passível de tantos recursos".
Não se deve confundir evasor com sonegador. A evasão é gênero. A sonegação constitui espécie, correspondente à pratica de crimes contra a ordem tributária.
Em matéria de evasão e sonegação, o grande problema é descobrí-las e prová-las. Para tanto, há que se ter uma boa administração tributária, o que não existe atualmente no país. Auditores preparados em número suficiente, dotados de boa formação contábil e jurídica são condições necessárias ao combate à evasão.
Já enfrentar a criminalidade tributária exige maiores investimentos. Um órgão de inteligência fiscal é imprescindível para apurar, com investigações, a realidade dos fatos criminosos e prová-los. As técnicas tradicionais de auditoria tributária muitas vezes se revelam insuficientes para a luta contra a sonegação. Daí a importância estratégica de inteligência fiscal.
Com referência à irresignação do ilustre deputado com a quantidade de recursos existentes no processo de cobrança dos créditos tributários, é importante não esquecer que o artigo 5º, inciso 55 da Constituição, que compõe as suas cláusulas pétreas, dispõe que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com meios e recursos a ela inerente. É aconselhável estudar também a Constituição.
A simplificação exige senso de medida e prudência. Deve-se evitar o que ocorreu com um fanático adepto da desburocratização, que para facilitar as coisas em sua casa eliminou a porta e as janelas. Logo entrou o ladrão. Mais tarde, a chuva e o frio.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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