São Paulo, domingo, 23 de julho de 1995
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Mutirão contra a recessão

ALOIZIO MERCADANTE

Desaceleração é quando seu vizinho perde o emprego, na recessão é você
O Brasil está ou não iniciando um processo recessivo? O governo, apoiado por uma parte importante da imprensa e de seus articulistas ``chapa branca", garante que não. Os mais pessimistas, entre estes, acham que pode haver no máximo uma certa desaceleração. Será?
Alguns indicadores já estão disponíveis para o tira-teima. No aniversário do primeiro ano do Real, tivemos um aumento de 81,4% no número de cheques sem fundo, os títulos protestados cresceram 57,5%, as concordatas, 99,1% e a inadimplência dos cartões de créditos, 1.400%.
O consumo de energia está caindo, os estoques crescendo, mas nada é mais sintomático do que as férias coletivas que se generalizaram nos setores automotivo, têxtil, calçados, papel e celulose, entre outros. Os índices da Fiesp e indústria da construção civil já registram o crescimento do desemprego nos últimos dois meses.
Na agricultura, o quadro é mais dramático. Os pequenos produtores se manifestam em todo o Brasil e até os médios e grandes promovem o ``caminhonaço".
A excelente safra agrícola foi utilizada como uma das âncoras do Real e acompanhada de um maior endividamento do setor, que agora está sistemicamente inadimplente, assistindo uma brutal transferência de rendas para os bancos.
O setor não está plantando e a safra de 1996 está sendo comprometida. No interior do Brasil, a renda agrícola caiu muito e ajuda a empurrar o país para a recessão.
No comércio, a queda foi mais lenta e retardada pelas promoções para desovar estoques e pelo peso dos importados. A âncora cambial com abertura econômica radical e taxas de juros elevadas alavancaram as importações de forma brutal.
Por exemplo, você pode importar financiado no exterior com uma taxa de juros de 6% ao ano e apoiado por uma defasagem na taxa de câmbio superior a 30%. Revender com dumping ou a preço de custo e garantir a margem de lucro na especulação financeira com uma taxa de juros interna de 4% ao mês!
A dívida dos importadores no exterior, após o Plano Real, é de aproximadamente US$ 20 bilhões, quase o dobro da dívida dos exportadores! O governo não impôs qualquer restrição ao endividamento externo dos importadores, dentro da política de atrair capital externo a qualquer custo para manter a irresponsável âncora cambial.
Essa armadilha perversa entre taxa de câmbio sobrevalorizada e taxa de juros "escorchantes" destruiu o saldo comercial e está arrebentando parte da estrutura produtiva do país.
A recessão está instalada e em processo de desenvolvimento, ainda que seu impacto seja desigual. O problema central do país não é discutir se vamos ou não para um período recessivo, mas debater por quanto tempo e com que profundidade.
É evidente que a queda no nível de atividades não é decorrente da greve dos petroleiros. Esta queda é resultado da política monetária de juros altos e inadimplência crescente que retraiu oferta de crédito e que tinha sido a principal fonte da expansão do período anterior.
O segundo fator que pode aprofundar a recessão é a queda da massa de salários. A medida provisória da desindexação dos salários em um quadro de recessão ajuda a diminuir a capacidade de resistência dos sindicatos e contribui decisivamente para o arrocho dos salários. Resta saber como irá se comportar o nível de emprego.
O governo quer a recessão para diminuir as importações e apresentar o precário equilíbrio do balanço comercial como grande conquista deste segundo semestre. O ajuste no balanço comercial através da recessão é possível, está sendo construído pelo governo, mas tem um altíssimo custo e um resultado altamente duvidoso.
O governo não ajustou o câmbio nem redefiniu a política de comércio exterior de forma mais consistente e duradoura. Portanto, este não é um equilíbrio sustentável, baseado no crescimento da competitividade das exportações e no aumento de produtividade da economia.
Ao contrário, a recessão diminui escalas de produção, atrasa ou paralisa programas de investimentos e, mesmo forçando as empresas a exportarem no curto prazo, compromete a competitividade da economia. A recessão é burra!
Os dados da Fiesp demonstram que as vendas no primeiro ano do Real cresceram 20%, mas o emprego apenas 2%. E só na região metropolitana de São Paulo, 49% da população economicamente ativa trabalha sem carteira de trabalho assinada.
A recessão é burra, perversa e absolutamente previsível, mas o governo preferiu manter a pose e o estelionato eleitoral com a ilusão vendida para a sociedade de que a estabilização não teria custos econômicos e sociais.
Foi isto que atrasou os ajustes do câmbio e na política de comércio exterior, agravando o cenário recessivo que se projeta para o segundo semestre.
O que pode ser feito agora é abreviar o período recessivo e reverter a tendência, com uma grande mobilização da sociedade contra as demissões. Se o nível de emprego cair, vamos desencadear um efeito em cascata com queda ainda maior na massa de salários e aprofundamento da recessão.
Não demitir! Esta é a grande palavra de ordem do segundo semestre. Devemos discutir política industrial, racionalização da política de comércio exterior, o ajuste cambial, reforma tributária, ativar as câmaras setoriais e estabelecer iniciativas convergentes entre governo, empresários e trabalhadores, que revertam o processo recessivo em andamento.
O país precisa de um grande mutirão em defesa do emprego. Como diz um velho ditado, a desaceleração é quando seu vizinho perde o emprego, na recessão é você.

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