São Paulo, domingo, 23 de julho de 1995
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Jogar com o Uruguai é mesmo uma guerra

ALBERTO HELENA JR.
ENVIADO ESPECIAL A PUNTA DEL ESTE

Hoje é guerra. Lembro-me que, anos atrás, o ex-craque e hoje técnico Dario Pereyra definiu com precisão o espírito que anima os uruguaios quando se defrontam com brasileiros ou argentinos, naquele seu espanhoguês incorrigível: ``Nós somos poucos, numa terra pequena. Quando enfrentamos os gigantes da América do Sul, fazemos de tudo para superá-los. E isso tanto vale para um jogo entre meninos quanto para uma decisão de profissionais".
Esse é o tipo de sentimento com o qual não nos identificamos; por isso, nos surpreendemos com a garra uruguaia.
E será exatamente essa a arma mortífera que enfrentaremos no estádio Centenário nesta tarde, na final da Copa América.
Já a nossa é o talento dos jogadores brasileiros, a facilidade com que lidamos com a bola. É bem verdade que há tempos, de tanto a imprensa malhar na mesma tecla (hoje estou que é um chavão só, mas vamos em frente), fomos incorporando esse espírito de grupo.
O que é Dunga, por exemplo, senão um típico uruguaio? E Dunga, vale lembrar, é o nosso capitão e símbolo da era do tetra em que ainda vivemos.
Sei que estou chovendo no molhado (agora, chega!), mas é a pura verdade. E o futebol, por mais que se sofistique nas táticas e estratégias, no marketing, na tecnologia (das chuteiras às transmissões em sistema digital pelas TVs), em tudo, enfim, dentro e fora do campo, há verdades que são imutáveis.
Uma delas: jogar contra os uruguaios é o mesmo que enfrentar uma guerra, embora tal afirmativa possa fazer meu vizinho ao lado, o Juca Kfouri, rilhar os dentes. Não que ele seja uruguaio, muito ao contrário. Mas é que outro dia ele, não sem razão, criticava a crítica que se socorre de expressões como guerra, inimigo, armas, bombas, petardos, táticas, estratégias, ataques, defesas, invadir a área, massacrar o inimigo, conquistar espaços vitais, ouso acrescentar, vitória e derrota, todas de cunho nitidamente militar.
Assim, estaríamos todos nós contribuindo para insuflar a violência no inconsciente coletivo do torcedor comum.
Quem sabe, tudo isso, se acrescentarmos os termos escudos, flâmulas, cânticos de guerra das torcidas, a pugna recuperada por sir Lancellotti, sei lá quantos mais, na verdade, sejam vagas reminiscências das liças medievais, que, de certa forma, geraram o ``calcio" genovês da pré-Renascença, bisavô do nosso inocente futebolzinho de hoje?
Sendo assim, certas marcas da matriz são indeléveis, ainda que indesejáveis.
Por outro lado, como na teoria psicológica que encara exatamente como um antídoto à violência as armas de brinquedo manuseada pela garotada, não seria a vulgarização de toda essa terminologia militar no futebol uma forma de reduzir seu significado, portanto, seu impacto?

Paira no ar a expectativa de que Túlio comece jogando hoje contra o Uruguai, no lugar de Sávio. Seria uma medida cautelar, como diriam os jurisconsultos. Afinal, Sávio é ainda uma risonha promessa, mas guerra é coisa de gente grande.

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