São Paulo, domingo, 23 de julho de 1995
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Um novo estado das coisas

PAULO FERNANDO SILVESTRE JR.
DA REPORTAGEM LOCAL

Na semana passada, uma equipe de cientistas do Nist (sigla em inglês para Instituto Nacional de Padrões e Tecnologias), associado à Universidade do Colorado (EUA), divulgou uma pesquisa que pode se converter na maior descoberta física do ano.
Os pesquisadores lograram reproduzir experimentalmente algo que está sendo considerado um novo estado da matéria.
As propriedades das substâncias nesse estado diferem completamente das apresentadas pela mesma substância quando esta se encontra nos demais estados da natureza: sólido, líquido, gasoso e plasmático, este último encontrado, por exemplo, em reatores nucleares. O novo estado ainda não tem nome definido.
"Em condições normais, a matéria não apresenta essas propriedades", explica Gil da Costa Marques, 49, diretor do Instituto de Física da USP. Tais propriedades podem ser de grande utilidade para o homem.
A matéria no novo estado apresenta, por exemplo, superfluidez, uma característica que confere ao fluido a capacidade de escoar sem apresentar nenhum atrito. "É como se fosse um fluido perfeito", diz Marques.
Ele acredita que a substância também apresente "efeito termomecânico". Por esse efeito, basta um leve aquecimento para que o fluido se movimente, de forma proporcional ao aquecimento.
O problema é que, para se conseguir o novo estado da matéria, os cientistas do Colorado tiveram que resfriar átomos de rubídio à incrível temperatura de 170 nanoKelvin, 300 vezes mais fria que a temperatura mais baixa já conseguida pelo homem até então.
Para se ter uma idéia de quão frio isto é, basta pensar que a variação de um Kelvin equivale à variação de um grau Celsius. Um nanoKelvin equivale a um grau Celsius dividido por um bilhão.
A diferença é que zero Kelvin representa 273,15 graus Celsius negativos. Por isso, a substância em questão só pôde ser atingida muito próximo dessa temperatura.
Essa temperatura não existe naturalmente nem no vácuo espacial, pois a radiação remanescente do Big Bang -a explosão que supostamente teria criado o Universo- é suficiente para elevar a temperatura do espaço a um nível um bilhão de vezes superior.
Isso inviabilizaria qualquer tentativa de aplicação da descoberta em um produto comercial, por exemplo. "Mas a gente tem que acreditar que o homem encontrará algum método engenhoso para acabar com essa limitação", diz Marques.
Ele cita o caso da supercondutividade -capacidade de um material transmitir sinais (como corrente elétrica) sem apresentar resistência-, que também exige baixas temperaturas para ocorrer.
Os cientistas tentam contornar o problema com o desenvolvimento de novos compostos supercondutores que funcionem a temperaturas cada vez mais elevadas. "É por isso que supercondutividade não teve grande impacto na tecnologia", explica Marques.
Bósons
O estudo realizou em laboratório a chamada "condensação de Bose-Einstein" (BEC), teoria desenvolvida por Albert Einstein e pelo físico indiano Satyendra Nath Bose em 1924.
Esta teoria prevê a existência de partículas que não obedecem o "Princípio de Exclusão de Pauli", que descreve como os elétrons se distribuem no átomo. A maioria das partículas na natureza segue esse princípio.
As que não obedecem são chamadas sugestivamente de bósons (em alusão a "Bose Einstein).
Einstein e Bose, quando desenvolveram sua teoria, tentavam preparar uma estatística sobre quantas partículas "paravam" com a diminuição da temperatura.
A temperatura de uma substância depende diretamente da agitação térmica dos átomos que compõem suas moléculas e vice-versa. Dessa forma, quanto mais baixa a temperatura, menor a agitação dos átomos.
A própria escala Kelvin é montada sobre a medida dessa agitação. Zero Kelvin -também conhecido por zero absoluto- seria o ponto em que átomos estariam "parados.
"Na realidade, o que Bose e Einstein analisaram era um sistema ideal, uma coisa extremamente simples, onde você despreza todas as interações entre as partículas", explica Marques.
Em termos experimentais, as coisas não foram assim tão simples. Os pesquisadores do Colorado tentavam há 15 anos atingir o resultado, que só foi conseguido no último dia 5 de junho.
A dificuldade se deve ao fato de que, no mundo real, as partículas estão sempre interagindo entre si.
Uma das formas de se minimizar isso é reduzir a temperatura, mas não se conhecia ainda técnicas (ou equipamentos) que conseguissem diminuir tanto a temperatura.
"Se não fosse por causa da mecânica quântica (parte da física que estuda partículas e impede medições de maneira contínua), estes átomos não teriam nenhuma energia", explica Carl Wieman, um dos líderes da equipe responsável pela descoberta.
Paradoxalmente, os pesquisadores esperam que seu experimento passe a ser reproduzido em diversos laboratórios ao redor do mundo, pois seu arranjo é simples e o equipamento utilizado não é comparativamente caro.

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