São Paulo, quarta-feira, 26 de julho de 1995 |
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Sambistas convidam tenores a subirem o morro
SYLVIA COLOMBO
Os sambistas resolveram fazer uma sátira à pompa e ao glamour dos tenores Plácido Domingo, José Carreras e Luciano Pavarotti. E a brincadeira vai ainda mais longe. ``Estamos revoltados também com a falta de espaço da gente simples no cenário cultural. O samba do morro não desce para a cidade ", diz Dicró. Em ``Ópera do Morro" eles desafiam Pavarotti e cia. a subirem o morro e tocarem o pagode. ``Lá em cima não há Metropolitan e nem acompanhamento de luxo, queria só ver o talento deles acontecer", diz Moreira da Silva. Dicró usa requintes de crueldade. ``E se eu desse uma partitura em papel de pão, imagine a cara deles." A idéia da gravação do disco partiu do produtor musical Esdras Pereira. ``Primeiro nós íamos gravar só Bezerra da Silva e Dicró. Depois que Moreira se juntou pintou a idéia, afinal são três malandros ou não?". O resultado foi um disco bem-humorado, que dá um breque até na Quinta Sinfonia de Beethoven. Os três estão longe de não gostar de música clássica. ``Ópera é lavagem cerebral, faz um bem enorme", diz Dicró. O trio insiste em manter a diplomacia e juram não dirigir a crítica a ninguém em específico, muito menos a um tipo de público. ``Humor não tem idade", diz Dicró. Um grito de ``Figaro" quebra cristais, ``Corneto Mio" vira xingamento e o bolero de Ravel ganha sua versão pagodeira. Nada mau para quem grita a plenos pulmões: ``Eu já fui pintor/Agora sou tenor". Para a gravação, os três assistiram muita ópera, conversaram e, durante muito papo informal, as piadas foram surgindo aos poucos. ``É um processo antigo de produção, só bate-papo e naturalidade", diz Dicró. Mas quem for se entusiasmando com a brincadeira logo sofre uma pequena decepção. A sátira aos tenores vai só até a quarta faixa. Depois disso alternam-se interpretações individuais dos três sambistas. O fino da malandragem. Mulheres, jogo, noite, boêmia e dinheiro estão presentes nas outras faixas: ``Na Subida do Morro", ``Jogando com o Capeta", ``Dava Dois" e ``Ressuscita ele". Em ``O Político" volta o tom satírico e Dicró destila sua ironia em relação às classes mandantes: ``Protesto, mesmo estando velho, é um desafio para a juventude". Para promover o lançamento os três devem gravar um clipe. ``Queremos fazer cenas em frente aos lugares chiques de espetáculo do Rio", diz Dicró. A capa do disco já introduz a brincadeira. Os sambistas aparecem nas escadarias do Teatro Municipal do Rio. ``Lugar onde o nosso tipo de música nunca entra", diz Moreira da Silva. Saudoso da malandragem, ele recusa que ela seja um fato datado. ``Nunca vai acabar, o problema é que as pessoas pararam de se preocupar com mensagens bonitas." Para ele malandragem e baixaria são opostos. ``Não uso linguagem chula e não desrespeito mulher. Grosseria satura todo mundo." Apesar da idade, os três esbanjam agilidade. Dicró, 49, Moreira, 93, e Bezerra, 65, ainda esperam fazer um videoclipe e alguns shows juntos. ``O clipe tem que ser na porta do Teatro Municipal e eu quero um tapete vermelho", resmunga Dicró. Eles não querem nem ver os verdadeiros fãs dos reais tenores. ``Se eles tiverem bom humor tudo bem, mas pelo jeito gente bacana pode olhar torto. Entendam que é brincadeira", diz Dicró. ``No fundo", confessa, ``somos malandros, admiramos os tenores e não cantamos coisa nenhuma." Disco: Os 3 Malandros Com: Moreira da Silva, Bezerra da Silva e Dicró Lançamento: CID Quanto: R$ 20 (o CD, em média) Texto Anterior: Textos de Lima Barreto emanam atualidade Próximo Texto: Contratenores escracham divas do canto Índice |
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