São Paulo, quarta-feira, 26 de julho de 1995
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Negritude de resultados

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - ``Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo (...), a sombra ou, pelo menos, a pinta do negro." A frase de Gilberto Freyre é tão real quanto renegada.
No Brasil, de vezo racista, é fácil encontrar corpos negros que aceitem gostosamente o implante de almas brancas. Difícil é localizar uma única e escassa veia loura disposta a admitir que transporta sangue negro.
Há, porém, um projeto capaz de reverter a situação. Falo de proposta encampada pelo movimento negro. Uma idéia que, aprovada, ofereceria a legiões de brancos um forte argumento em favor do reconhecimento de suas origens africanas.
A proposta obriga o governo a pagar uma indenização de US$ 102 mil a cada descendente de negro escravo. A conta ficaria em cerca de US$ 6 trilhões.
Disquei para Murilo Portugal, secretário do Tesouro Nacional. O que achas? Murilo riu. Insisti. ``Isso é sério mesmo?" Respondi afirmativamente. ``Se criássemos um imposto de 100% sobre tudo o que o brasileiro produz no ano ainda não conseguiríamos pagar", disse Murilo, ele próprio candidato à indenização.
Bisneto de uma negra, recebi com desassossego as palavras de Murilo. Lamento também por nosso presidente, que, com o ``pé na cozinha", bem poderia reivindicar o seu bocado.
A despeito de sua inviabilidade, colhem-se assinaturas a favor do projeto de lei das reparações, como a militância negra o tem chamado. O movimento negro organiza uma ``tomada de Brasília". Será no dia 20 de novembro.
A iniciativa ameaça a imagem de seriedade da causa negra. Loucura por loucura, quem sabe devêssemos incluir na proposta um artigo transferindo a conta para o governo de Portugal. Foram os portugueses os responsáveis pela introdução do modelo escravagista no Brasil.
Bem verdade que o caixa de Portugal também não anda bem das pernas. Mas, membro da Comunidade Européia, a ex-potência das caravelas pode acertar-se a qualquer momento. Nunca se sabe.

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