São Paulo, sábado, 29 de julho de 1995
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Montagem de "Torquato Tasso" peca pelo excesso de formalismo

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

A interpretação em ``Torquato Tasso" abre tão formal, tão esforçadamente falsa, que mais parece que o importante, no entender da montagem, é mesmo o bem falar, em prejuízo aberto da verdade, da sinceridade no palco.
A montagem usa recursos de oratória, ou do que se imagina ser a oratória, naquela confusão que não devia mas existe entre a oratória e a artificialidade.
Lembra assim as ``regras" do autor, Goethe, aliás também diretor, aliás também ator, sobre a interpretação perfeita.
Regras que causaram os maiores problemas para o teatro alemão e europeu do século passado, ao gerar um gênero de interpretação externa e artificial.
Mas passa o tempo e a montagem, depois de sublinhar bem que a sugestão da interpretação vinha do original, por exemplo ao comentar sobre o ``papaguear", ganha em conflito e interesse.
Crescem as caracterizações todas. Diminui a sensação de que as palavras saíam em jorro, sem ritmo ou sentido. Mas depois os intérpretes caem novamente.
Na verdade, vai ficando claro, aos poucos, que a atenção à montagem como que depende da presença do ator de Antônio, a metade racional do desenfreado Torquato Tasso -na imagem explicitada ao limite da obviedade, pela direção.
Vem dele o conflito e é como se os demais descobrissem então o que fazer em cena, descobrissem um sentimento em que se segurar.
Como um escada, o que obviamente não tem relação alguma com as ``regras" de Goethe.
Oratória
Mas as brincadeiras de oratória prosseguem. Em certos momentos, é clara a supressão completa das pausas, talvez porque a pausa, nas regras de Goethe, é das poucas liberdades deixadas ao ator, ou ``declamador". (Aliás, não é bem assim, quanto à pausa, pelo que se conhece de outros relatos sobre o Goethe diretor.)
E prosseguem as brincadeiras em torno da ``veemência" do ``fogoso orador", ou das ``bem escolhidas palavras com que me ofendeu".
É um jogo que chega a ser prazeiroso acompanhar, sobretudo nos confrontos entre Antônio e Torquato Tasso, mas que aborreceu o público no dia em que o crítico foi ao teatro.
Não foram poucos os que se levantaram e saíram.
Uma pena, mas é compreensível, diante de um jogo que surgiu por demais cifrado na montagem. E de um jogo em que a qualidade estática da interpretação foi acentuada com artifícios de marcação e cenografia.
Assim, o cenário é uma ``caixa" fechada como aquelas de Daniela Thomas, que fizeram história no teatro, com a diferença de ser agora uma ``caixa" inteiramente branca, mais ainda fechada, reprimindo a ação.
Assim, quando ``fora de cena", os atores são mantidos sentados em cadeiras, assistindo televisão, sem que o artifício tenha um uso dinâmico, limitando-se a apontar, talvez, que a vida fora do palco é aquela, do assistir ao teatro na televisão. (Aliás, já era de esperar a televisão no palco, depois da passagem do Wooster por São Paulo, mas esperava-se também igual dinâmica.)
Por vezes, o espetáculo lembra mais uma leitura dramática, de mesa, assim como o elenco lembra uma classe, de escola, o que aliás é levado ao programa da peça, que não identifica atores com personagens.
Como em outros espetáculos do diretor Márcio Aurélio, parecem carregar todos um mesmo ar, um mesmo semblante, sobretudo uma mesma estatura.
E não poucas vezes confundem o texto, uma perfeita heresia, em se tratando de Goethe.

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