São Paulo, domingo, 30 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Juros ameaçam plano

SHIGEAKI UEKI

Ultimamente, entre três noticiários e comentários econômicos que saem nos jornais, pelo menos um refere-se aos altos juros que são praticados no país. Os poupadores ou depositantes acham que são satisfatórios, mas nada exagerados, enquanto os tomadores ou devedores, com muita razão, os consideram escorchantes.
As autoridades tentam explicar que nada pode ser feito enquanto não forem aprovadas as reformas fiscais e, ultimamente, recorrem até a fábulas para tentar explicar. Mesmo essas fábulas não são felizes. Recentemente, o competente jornalista Boris Casoy referiu-se a elas lembrando a frase do saudoso Chacrinha: ``Eu vim para confundir...".
Atuei por longo tempo na área financeira, como diretor-financeiro da Petrobrás (1969-1974), e negociei muitos contratos de financiamento com os bancos internacionais, quando ocorreram eventos como o ``choque de Nixon - 1971", o fim da paridade das principais moedas, o crescimento do mercado não-controlado pelos Bancos Centrais, como o eurodólar, o choque do petróleo (1973-74).
Hoje, tendo lido vários livros já publicados sobre o citado período, mesmo com o risco de, talvez, bancar o Chacrinha, cedo à tentação de explicar como eu entendo o mercado financeiro nacional e internacional, a cotação da moeda local e a taxa de juros.
Recorro aos Estados Unidos e ao Japão que, por serem os dois países mais ricos do mundo, têm seus mercados sofisticadamente desenvolvidos e, sobretudo, possuem dados estatísticos atualizados.
Nos Estados Unidos, os juros do título do Tesouro estão em 6% ao ano, aproximadamente, enquanto no Japão estão em 2%. No Brasil, os títulos do Tesouro pagaram cerca de 35%. Nos últimos 12 meses, o dólar desvalorizou-se, o iene valorizou-se e o real permaneceu, teimosamente, mais ou menos constante.
Os empréstimos do governo e do setor privado (pessoas físicas e jurídicas), tanto nos Estados Unidos quanto no Japão, alcançam cerca de 150% do Produto Interno Bruto, enquanto no Brasil são da ordem de apenas 50%.
Em outras palavras, como no Brasil a totalidade de empréstimos é consideravelmente inferior à dos Estados Unidos e Japão, os juros deveriam ser mais baixos e, principalmente, os bancos internacionais não deveriam cobrar juros tão altos do Brasil. Existe, porém, uma enorme diferença entre a situação dos Estados Unidos e do Japão e a do Brasil.
Nos Estados Unidos, como os empréstimos tomados pelo governo e pelo setor privado são superiores aos depósitos domésticos dos próprios norte-americanos, eles são obrigados a buscar recursos no exterior.
No Japão acontece exatamente o contrário. Expliquemos. No Japão, o governo, as empresas e pessoas físicas devem US$ 5 trilhões, mas os próprios japoneses têm poupado e depositado nos bancos e possuem debêntures nacionais e estrangeiras num total bem superior ao débito.
Hoje, a dívida líquida dos Estados Unidos para com os credores estrangeiros supera US$ 500 bilhões e o saldo credor japonês é da mesma ordem. Ora, para manter o fluxo de recursos, os juros americanos devem ser mais altos enquanto essa situação não for revertida.
É evidente que o saldo no balanço comercial, o déficit orçamentário etc. começam a ser matéria de extrema importância nos Estados Unidos. Se o duplo déficit continuar e, ainda, se os americanos mantiverem o mesmo comportamento, os juros a longo prazo devem subir ainda mais, enquanto o dólar perderá seu valor frente às demais moedas, antes que ocorra qualquer inflação em dólar.
O mercado globalizado fez com que a cotação da moeda fosse muito mais resultado do fluxo ou refluxo de moeda do que do seu efetivo poder de compra. É hoje notório que o dólar deveria valer mais do que vale e o iene menos do que a sua cotação, em termos de poder de compra.
Em termos de endividamento externo, no caso americano temos de acrescentar, anualmente, os juros que devem aos credores estrangeiros. No caso japonês, já credores, aumentará ainda mais o seu crédito.
Em outras palavras, os Estados Unidos tornam-se cada vez mais devedores, enquanto o Japão torna-se cada vez mais credor. E o Brasil? Com a taxa de juros vigente, o crescimento do débito total é brutal.
Como a poupança ou depósito interno não cresce nessa mesma velocidade, temos que tomar mais empréstimos no exterior. Dos US$ 260 bilhões da dívida total brasileira, US$ 140 bilhões pertencem a credores estrangeiros e apenas US$ 120 bilhões aos credores nacionais, isto é, a dependência brasileira é de 55%. Nos Estados Unidos é de apenas 4% e, além disso, devem em sua própria moeda.
Em um ano, a dívida externa brasileira cresce cerca de US$ 20 bilhões.
Os governos federal e estaduais, que deviam US$ 122 bilhões, um ano atrás, hoje devem US$ 154 bilhões. Por falta de credibilidade, o principal título público tem um prazo de apenas 28 dias. É muito provável que o nosso Banco Central faça mais operações de crédito que o Federal Reserve e o Banco do Japão juntos.
Os tomadores ou poupadores ou depositantes, depois de tantos confiscos declarados ou sutis, perderam a confiança e não compram mais títulos públicos de longo prazo.
No Japão, os juros são baixos porque embutem apenas a remuneração do dinheiro, sem inflação, sem risco cambial e sem risco do país. Nos Estados Unidos embutem a remuneração, a inflação e o risco cambial e, no Brasil, além de tudo isso, acrescentam o risco do país. Daí os juros escorchantes.
Ultimamente, até para o financiamento agrícola e imobiliário o governo está estimulando os tomadores a buscarem recursos no exterior. O saldo negativo que persiste no balanço comercial significa endividamento maior e taxa de juros mais alta.
O Chile diminuiu a sua dívida externa de US$ 19 bilhões para US$ 9 bilhões e tem uma reserva de US$ 13 bilhões, isto é, se o Chile quisesse hoje pagar à vista toda a dívida externa, ainda assim sobraria uma reserva de US$ 4 bilhões, ou US$ 300 per capita, que seria maior do que a atual reserva brasileira per capita, que é de apenas US$ 200.
Quando, no ano passado, a fúria de importações tomou conta do nosso país (o que, felizmente, está sendo corrigido pelo governo atual), chegaram a comparar as reservas do Brasil com as do Chile.
Para empatar, o Brasil, na época, teria que ter US$ 150 bilhões de reserva, isto é, US$ 1.000 per capita, como tem o Chile há muitos anos.
Para baixar a taxa de juros temos, portanto, um longo caminho a percorrer.
Aumentar a poupança interna para financiar o nosso desenvolvimento, depender menos do financiamento externo, reduzir os gastos do setor público, que nos últimos anos têm crescido muito mais do que o crescimento da nossa economia, buscar saldo favorável no balanço comercial, aumentar o crédito dos títulos públicos.
Enfim, produzir mais e melhor e consumir menos, a fim de sobrar um razoável saldo para investir e, assim, não depender do dinheiro de terceiros. Vejamos mais o Chile como modelo econômico e menos os outros países latino-americanos.

Texto Anterior: Nas palavras; Nos estatutos; Massa de manobra; Ração suplementar; Lucro da Vale; Mesada no cartão; Nova configuração; Razões alegadas; Fio da meada; Voz da experiência
Próximo Texto: Mercosul pode reforçar a estratégia brasileira
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.