São Paulo, domingo, 30 de julho de 1995
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Mercosul pode reforçar a estratégia brasileira

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O máximo de atenção recaiu sobre a briga dos carros, o chamado ``regime automotivo" do Mercosul. Mas na semana passada surgiram vários indícios de que o Mercosul, longe de ser carta fora do baralho na agenda geopolítica brasileira, continua cumprindo um papel importante na afirmação de uma orientação independente.
Há duas frentes de negociação: uma interna e outra externa ao Mercosul. Internamente, as negociações com a Argentina e agora com o Paraguai continuarão quentes. O grande problema, do ponto de vista das teorias de integração regional, é o Mercosul afinal não contar com um organismo supranacional de negociação. As decisões são intergovernamentais.
Externamente, entretanto, a importância estratégica do Mercosul vai crescendo. Há duas mesas de negociação já bastante claras: com os EUA e com a União Européia. O governo brasileiro insiste num projeto de integração regional, uma área de livre comércio sul-americana. É uma forma de barrar o cenário de adesão acelerada ao Nafta. A diplomacia brasileira prefere falar em ``convergência", no médio prazo, em vez de adesão no curto prazo, como sempre preferiram o Chile e a Argentina.
A novidade da semana passada é que pela primeira vez essa discordância geopolítica foi oficialmente reconhecida pelo Itamaraty. Não por acaso, esse reconhecimento ocorreu às vésperas de uma reunião decisiva entre presidentes do Mercosul, que ocorrerá em Assunção, quando serão avaliados os rumos do acordo básico de cooperação econômica e comercial com a União Européia.
Será a primeira reunião de nível presidencial depois do encontro de junho, nos Estados Unidos. O governo brasileiro considera apressada demais a agenda de integração norte-americana.
Mas não se trata apenas de cronograma ou forma de integração. Tornaram-se evidentes também as divergências entre o governo brasileiro e o dos EUA quanto à pauta da integração. A diplomacia brasileira bate na tecla do protecionismo norte-americano contra produtos brasileiros. Colocando essa questão em primeiro plano, conseguiu afinal reduzir a pauta da integração, descartando temas como propriedade intelectual ou regulamentação social.
A eficiência do Mercosul e do projeto de integração sul-americana como ``biombos" frente ao pan-americanismo dos EUA, entretanto, depende de modo crucial da ampliação do consenso na frente interna. E aí as coisas estão ainda muito longe da calmaria.
Além dos problemas com a Argentina, tornaram-se públicas na semana passada novas rusgas, agora com o Paraguai. O governo brasileiro vê com desconfiança a proposta paraguaia de revisão da lista de exceções à Tarifa Externa Comum. O entrevero, aliás, já estava colocado desde o ano passado. A reunião em Assunção inclui essa pendência.
Ocorre que o Brasil ampliou recentemente sua lista de exceções à tarifa externa comum (alíquotas iguais de imposto de importação). O Paraguai também quer as suas exceções às regras do Mercosul.
Entre a função de biombo externo e a roupa suja que ainda falta lavar internamente, o Mercosul parece fadado a reforçar sobretudo a posição geoestratégica brasileira.

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