São Paulo, segunda-feira, 31 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Diversificação pode levar à redundância

ESTHER HAMBURGUER
ESPECIAL PARA A FOLHA

A contar pelas novelas que estrearam recentemente, a diversificação do mercado de televisão pode vir a significar bem menos pluralismo do que imaginamos. Em busca de segmentos definidos do público, os folhetins eletrônicos correm o risco de perder seu potencial provocativo e se tornar mera redundância.
Investimento em novela não falta. Talento também não. ``Sangue do Meu Sangue", consolida a fábrica do SBT. ``A Idade da Loba" marca a volta da Bandeirantes ao gênero. A Globo mantém seus três horários, acrescidos de uma experiência de ``soap-opera" com ``Malhação". A Manchete anuncia nova produção para breve.
Mantendo a tradição, talvez específica de nossa televisão, as novelas continuam atraindo atores e atrizes do teatro. Diretores tarimbados investem na sofisticação dos cenários, iluminação e enquadramentos, aspectos menos cuidados nos seriados televisivos.
Mas apesar da abundância de produções e das louváveis marcas pessoais dos profissionais envolvidos, a sensação de desorientação transmitida pelas novelas novas é enorme. Na Globo, há muito sol, mar e céu azul. Curiosamente, as concorrentes, apesar de transmitidas por emissoras paulistas, insistem no cenário do Rio de Janeiro, Pão de Açúcar e arquitetura colonial. Há muita luz indireta entrando pelas janelas. Há muitos olhares e lágrimas femininas.
As novelas sempre foram consideradas de alguma forma um programa de mulher. Enquanto tínhamos menos de 10 opções de canal e a Globo atingia mais de 50% da audiência elas extrapolaram em muito o seu target. Mobilizar um público tão diversificado exige um algo mais que parece ameaçado.
Com o vídeo, os canais a cabo e antenas parabólicas, o número de opções televisivas se multiplicou. Mais canais significa menos audiência por canal. As emissoras produzem tendo em vista o que elas imaginam que interessa a segmentos mais restritos do público.
A Bandeirantes explicitamente optou pelo filão mulheres adultas de classes populares. O que incomoda é a sensação de que as espectativas desse público estejam sendo subestimadas. Drama, romantismo, família.
O resultado é um texto pesado sobre limitações do universo doméstico e suas relações com independência profissional, segurança financeira, filhos e casamento. Os temas são recorrentes e já foram tratados em situações mais sutis.
É paradoxal que ao invés de diversificar nossas opções o aumento dos canais de televisão a que temos acesso possa significar empobrecimento da programação. É perverso, mas talvez nossas melhores novelas tenham sido produzidas em época de censura e monopólio.
Um profissional da televisão americana uma vez descreveu o seu telespectador como um ser passivo, que engorda na frente do aparelho, tomando cerveja. O resultado é uma montanha de programas pobres e entediantes. Lá se tem falado em ``Brasilianização`` do país, saturado por imigrantes pobres e segregados. Tomara que aqui não estejamos vivendo uma ``Americanização`` da televisão, reduzidos os riscos envolvidos em ousadias de programação.

Texto Anterior: Quem ajuda sempre é ajudado
Próximo Texto: Hitchcock inspira paródias
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.